sexta-feira, 13 de junho de 2008

"Levantar-se em armas era a única maneira de sobreviver”


“Levantar-se em armas era a única maneira de sobreviver”
por Rodrigo Aranha
“Eu tive um irmão que ia pelos montes enquanto eu dormia. Amei-o do meu jeito, tomei sua voz livre como a água”Julio Cortázar, 1967
“Morreu um revolucionário! Viva a revolução!” Estas palavras rodaram o mundo quando chegou a confirmação da morte do líder guerrilheiro, Manuel “Tirofijo” Marulanda Vélez, das FARC.
Registrado como Pedro Antonio Marín em 12 de maio de 1930, a luta revolucionária o levou a adotar o nome de guerra, Manuel Marulanda Vélez, em homenagem ao pedreiro e fundador do Partido Comunista Colombiano que se destacou na luta sindical, morto e torturado nos porões do serviço secreto da cidade de Medellín, 1951.
A vida deste camponês retrata a história de uma Colômbia que busca paz. Consolidada a independência pelo libertador Simón Bolívar no início do século 18, a disputa entre liberais e conservadores deflagrou o país várias vezes. A família de Marulanda era liberal e seu avô serviu na sangrenta Guerra dos Mil dias, entre 1899 e 1902. Sua história familiar é igual a tantas outras, como a dos Buendia, imortalizadas nas páginas do livro Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez.
Em 1948, o país vivia um clima tenso que explodiu com o assassinato em abril do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán, referência das classes populares. O episódio ficou conhecido como “Bogotazo” que cobrou numerosas vítimas na capital colombiana e desencadeou uma feroz persecução a liberais e simpatizantes que se estendeu por toda Colômbia. No campo, o exército invadia povoados massacrando a sangue-frio qualquer suspeito de ter ligações com o Partido Liberal. Aqueles que fugiam, partiam de cidade em cidade escapando da fúria conservadora. Até que um dia vários camponeses se integram à guerrilha organizada pelos liberais, junto deles estava o jovem Marulanda, aos dezenove anos. “Levantar-se em armas era a única maneira de sobreviver”, lhe disse uma vez ao escritor colombiano Arturo Alape, autor de sua única biografia.
Quando os liberais decidem depor armas com o derrocamento do presidente conservador Laureano Gómez pelo general Gustavo Rojas Pinilla em 1953, Marulanda e seus companheiros resolvem manter as armas e instalar-se no município de Marquetalia ao sul do país. Nessa época, um velho amigo o batizou para sempre: “você é um tirofijo, onde põe o olho, põe a bala”.
O presidente conservador Guillermo León Valencia, em 1964, cansado das petições de reforma agrária e da intransigência da “República Independente de Marquetalia”, decide mandar um exército de 5 mil soldados para submeter de uma boa vez a Marulanda e seus homens. Nem imaginava que com este ato faria nascer a maior e mais antiga guerrilha de todos os tempos, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Quebrando cercos militares e dando certeiros golpes, as FARC deixaram de ser um grupo de 40 guerrilheiros para formar um exército popular de 20 mil homens armados, dos quais 60 por cento são de origem campesina e um terço são mulheres em posição de comando.
“A guerra não é o melhor para os povos. A guerra é imposta aos povos pelas castas dominantes, as cúpulas militares, as oligarquias, os monopólios, lhe impõem a guerra aos povos para submetê-los”, declarou ao jornalista Luis Gonzalez, do jornal El Tiempo, em 2001. Era um homem de poucas, mas certeiras palavras. Os olhos pequenos mostravam a origem indígena. Era amante dos tangos de Carlos Gardel e Julio Sosa. Apesar de baixo e franzino, Marulanda era o homem mais temido pelos soldados que entravam na selva colombiana.
Corria o ano de 1984, as FARC e o então presidente Belisario Betancur assinaram um cessar fogo e surgiu a proposta de desmobilização dos guerrilheiros. Alguns viram a possibilidade de fazer política de maneira legalizada, outros, como Marulanda, desconfiaram. Conformou-se assim a União Patriótica com candidatos para as eleições municipais, estaduais e nacionais. No entanto, os reacionários não estavam dispostos a ceder. Fazendeiros e a classe política, com seus esquadrões da morte, assassinaram mais de 3 mil militantes, entre deputados, prefeitos e dirigentes, aniquilando o projeto político da guerrilha. A partir dessa experiência, o secretariado das FARC constituiu no ano 2000 o Movimento Bolivariano da Nova Colômbia, organização clandestina que atua nas pequenas cidades do interior e nos grandes centros urbanos. Como instância maior de coordenação política nasce também, na mesma época, o Partido Comunista Clandestino.
Desde 1964, Marulanda iludiu pelo menos sete importantes ofensivas militares financiadas por mais de 7 bilhões de dólares pelo estado norte-americano, 250 mil soldados colombianos treinados por especialistas ianques e 35 mil paramilitares. Foi declarado morto inúmeras vezes por governos sedentos em apresentar vitória perante o povo colombiano e seu sócio americano. Numa de suas tantas mortes, em 1951, a imprensa chegou a noticiar o enterro com fotos e testemunhas.
O Plano Colômbia, preparado por Bill Clinton e aprovado pelo Congresso norte-americano no ano 2000, colocou bilhões de dólares, assessores militares, armamento de última geração e gerou um banho de sangue. Desde o primeiro mandato do atual presidente, Álvaro Uribe, em 2002, até hoje, foram assassinados mais de 15 mil pessoas entre camponeses, sindicalistas, trabalhadores, jornalistas, militantes de direitos humanos, entre outros.
A mídia em geral, interessou-se em atacar as FARC como “narco-guerrilhas” , propondo ligações com os poderosos cartéis do tráfico de droga, que assolam o país desde a década dos anos 80. Um discurso que teve efeito inclusive em organizações de esquerda que preferem não se pronunciar. “Nem cultivamos, nem colhemos, nem comercializamos a coca. O problema é muito mais profundo e as suas origens não desejam chegar os governantes. É a pobreza de toda esta zona e de outras onde o agricultor se deu conta de que as plantações tradicionais apenas alcançavam para pagar seus custos; daí a procura de uma via para sobreviver e a encontraram na droga”, sentencia Marulanda, conhecedor da problemática de seu país.
Passaram-se 17 presidentes sonhando capturar e posar ao lado de seu corpo inerte, como caçador e presa. Todos, todos eles, ficaram com o gosto amargo. Morreu de um ataque cardíaco nos braços da companheira Sandra, deixando sete filhos. Hoje, Álvaro Uribe colocou como recompensa 2,5 milhões de dólares para quem revelar o lugar onde está enterrado. Tem a intenção de mostrar um troféu de guerra e falsificar o motivo da morte, para apresentá-la como conseqüência de bombardeios feitos pelas forças armadas e assim considerar-se executores da morte de Marulanda.
Tirofijo não era homem para ser citado por nostálgicos intelectuais de esquerda. Também não se preocupou em escrever grandiloqüentes manifestos para progressistas carentes de ídolos. Dedicou sua vida aos oprimidos do campo, treinou os cansados das humilhações, escutou cada problema e cada reivindicação de camponeses como ele.
“Mantenho meus sonhos de ver uma Colômbia nova, onde os colombianos se sintam seguros, com emprego, educação, saúde, bem-estar, onde se termine com as injustiças que nos obrigaram a tomar o caminho das armas. Estamos convencidos de que a hora chegará algum dia”, disse Marulanda em sua última entrevista, perto dos 80 anos.
A morte deste revolucionário, que está à altura de Ernesto Che Guevara e Fidel Castro, não terá o rosto estampado em camisetas de jovens de classe média. Mas com certeza, estará presente na memória de milhões de colombianos e latino-americanos como um exemplo de entrega na luta pela segunda e definitiva independência de nosso continente.
Rodrigo Aranha é jornalista.
Fonte:http:/ /carosamigos. terra.com. br/

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