quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Mundo pós-americano


“Enquanto nos perguntamos por que eles nos odeiam, eles seguem em frente, muito mais interessados em partes mais dinâmicas do globo. O mundo mudou do anti-americanismo para o pós-americanismo”. O comportamento do Brasil diante da nova perspectiva mundial.
Sílvia Ferabolli, Cláudio César Dutra de Souza
(04/10/2008)
Finalmente, o establishment intelectual norte-americano rendeu-se à realidade! Depois de quase duas décadas de um debate interminável sobre os contornos do mundo pós-Guerra Fria - hegemonia norte-americana ou multipolaridade -, intelectuais de peso do país decidiram que a era em que vivemos já tem um nome definido: o mundo pós-americano.
Na última edição da Foreign Affairs, a mais importante e mais lida revista de política internacional do mundo, o artigo-destaque é o de Fareed Zakaria, editor da Newsweek Internacional e autor do mais comentado livro do momento, The post-american world (W.W. Norton, 2008). Zakaria aborda o mesmo tema desenvolvido em seu último livro, que pode ser resumido da seguinte forma: a ascensão de poderes como Brasil, Rússia, Índia e China no cenário internacional irá, necessariamente, abalar a proeminência político-econômica norte-americana. Contudo, afirma o autor, isso não deve ser motivo para preocupações exageradas em Washington. O país ainda tem condições de manter os newcomers sob sua liderança por meio de políticas de engajamento nas instituições criadas no pós-guerra, como a ONU e a OMC (antigo GATT). Elas foram responsáveis pela estabilidade política e econômica que o mundo assistiu nas últimas décadas e que possibilitou a ascensão de novas potências emergentes.
Em The post-american world, Zakaria nos convida a olhar em volta e perceber o quanto símbolos de poder outrora imediatamente identificados com os Estados Unidos hoje enchem os olhos de cidadãos no “resto” do globo: o maior prédio do mundo fica em Taipei e o próximo será erguido no Dubai; a maior empresa pública de comércio fica em Beijing; a maior refinaria do mundo está sendo construída na Índia – o maior avião de passageiros, na Europa; o maior fundo de investimentos do planeta fica em Abu Dhabi; a grande indústria cinematográfica é Bollywood, não Hollywood; a maior montanha-russa fica em Singapura, o maior cassino, em Macao, e na lista dos dez maiores shopping centers do mundo, nenhum é norte-americano; por fim, nos mais recentes rankings, apenas duas das pessoas mais ricas do mundo são norte-americanas. Como alguém que acaba se dando conta de um óbvio silencioso, Zakaria inverte algumas premissas da atualidade e sentencia: “enquanto nos perguntamos por que eles nos odeiam, eles seguem em frente, muito mais interessados em partes mais dinâmicas do globo. O mundo mudou do anti-americanismo para o pós-americanismo”.
“O momento unipolar norte-americano irá acabar. Se a guerra que definirá o século 21 for entre os Estados Unidos e a China, então a China vencerá, [mas] se a guerra for entre a China e um sistema ocidental renovado, então o Ocidente triunfará”
O mundo pós-americano de Zakaria é o mesmo mundo “não-polar” de Richard Haass, autor do segundo artigo de capa da última Foreign Affairs. Para ambos, o presente momento histórico não assiste ao declínio norte-americano, mas a ascensão do “resto” – sim, esse é o termo usado por Zakaria, “the rest”.Para o editor da Newsweek, the rest significa os grandes mercados emergentes conforme designado por Antoine van Agtamel no seu The Emerging Markets Century (Free Press, 2007). Tal mercado inclui Brasil, Argentina, Chile, Malásia, México, Taiwan, Índia e China. Já para Haass, o resto é isso e mais um punhado de “poderes” regionais, como Egito, Venezuela e Austrália, algumas organizações internacionais - Banco Mundial, o FMI e a Liga Árabe de Estados -, mais algumas cidades-poder, como São Paulo e Xangai, além de outras entidades como o Hezbolah, a Cruz Vermelha e o Greenpeace. Para Zakaria, no que diz respeito a aspectos político e militar, nós ainda vivemos em um mundo unipolar, mas em todas os outros – industrial, financeira, social e cultural – a distribuição de poder está mudando e afastando-se da dominação norte-americana. Haass vai mais longe ao afirmar que a característica que define o século 21 é a não-polaridade, ou seja, o mundo dominado não por um (unipolaridade), dois (bipolaridade) ou vários Estados (multipolaridade), mas por diversos atores, estatais e não-estatais, exercendo vários tipos de poder.
Essa temática já havia sido abordada na edição de janeiro de 2008, da Foreign Affairs, com o artigo de John Ikenberry, The rise of China and the future of the West, que serviu como uma espécie de abre-alas para a atual edição da revista. Ikenberry é categórico na sua definição do mundo do século 21: “O momento unipolar norte-americano irá acabar. Se a guerra que definirá o século 21 for entre os Estados Unidos e a China, então a China vencerá, [mas] se a guerra for entre a China e um sistema ocidental renovado, então o Ocidente triunfará”. E como se processaria essa renovação?
De acordo com Ikenberry, a ordem ocidental do pós-Segunda Guerra é única. Qualquer ordem dominada por uma potência é baseada em um mix de coerção e consenso. Porem, a ordem liderada pelos Estados Unidos é diferente pois é mais liberal do que imperial e, por isso mesmo, tão acessível, legítima e durável, o que faz com seja difícil de derrubá-la e fácil aderi-la. Assim, os Estados Unidos devem reinvestir na ordem ocidental, reforçando as características que encorajam engajamento e integração. Contudo, diferentemente de outros autores do passado, como Robert Gilpin, que acreditavam que tal ordem deveria ser reerguida a partir do antigo tripé Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão [
1], Ikenberry, Zakaria e Haass insistem na necessidade de os Estados Unidos empreenderem esforços redobrados no sentido de integrar os Estados em ascensão, mais precisamente os BRIC’s, em instituições globais chave. Para Ikenberry, os EUA não tem como impedir a ascensão chinesa, mas podem fazer com que o poder chinês seja exercido dentro das normas e instituições que os Estados Unidos e seus aliados construíram ao longo das últimas décadas. A posição global dos EUA, talvez esteja enfraquecendo, mas o sistema internacional que eles lideram pode continuar sendo a ordem dominante do século 21. E esse sistema só irá continuar funcionando se os newcomers forem chamados a assumir a posição que dignamente lhes cabe no latifúndio do poder mundial – ou na governança global.
Ascenção tupi: parte dos BRIC’s, o Brasil ocupa lugar importante na economia mundial e consolida sua pontencialidade
Para o leitor brasileiro, o que chama a atenção é a constante referência ao país como um pólo de poder internacional. Em setembro de 2006, a revista The Economist publicou uma reportagem especial, intitulada The new titans: a survey of the world economy, segundo a qual o G-6 já não era mais a locomotiva da economia mundial, pois os novos carros-chefe da economia global seriam os BRIC’s – Brasil, Rússia, Índia e China. “BRIC’s” é o acrônimo cunhado pelo grupo Goldman Sachs para designar os quatro principais países emergentes do globo. Com base em projeções demográficas, modelos de acumulação de capital e crescimento de produtividade o grupo especulou que: 1) em menos de 40 anos, as economias BRIC’s seriam maiores do que o atual G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália); 2) do atual G-6 apenas os Estados Unidos e o Japão estarão entre as seis maiores economias do mundo em 2050. Essas seguirão uma ordem: China, Estados Unidos, Índia, Japão, Brasil e Rússia [
2].
A inclusão do Brasil na seleta lista dos “grandes emergentes” tem fundamento. Em um relatório apresentado pelo periódico Asian Perspective, em 2007, sob o título Brazil: to be or not to be a BRIC?, Paulo Sotero e Leslie Elliott Armijo apresentam algumas das potencialidades brasileiras: 1) o Brasil é um poder “ocidental”, cujo alinhamento com os valores ocidentais não geram dúvidas ou temores; 2) temos um perfil de liderança pelo exemplo e pelo respeito, já que não possuímos capacidade militar ofensiva relevante; 3) somos uma potência ambiental que possui enormes recursos naturais e grande possibilidade de desenvolvimento agrícola; 4) temos uma política externa universal e com influência nos fóruns internacionais – vide G-20; 5) não enfrentamos problemas religiosos e/ou de minorias étnicas e conflitos separatistas (como a Rússia / chechenos, China / Tibet e Xinjiang e Índia / Caxemira); e, por fim, 6) o regime democrático brasileiro está consolidado.
Claro que também temos as nossas fraquezas – absurda concentração de renda, educação de péssima qualidade e força militar risível. De qualquer maneira, o Brasil foi agrupado juntamente com três potências asiáticas, nuclearizadas, cujo desenvolvimento econômico se processou sob inspiração comunista e que, mesmo após, a abertura de suas economias para o mercado o Estado continua tendo papel central na condução da vida econômica do país. Se o “B” dos BRIC’s foi artificialmente ali introduzido para negar o sucesso do modelo asiático de desenvolvimento econômico orientado pelo Estado e inserção política internacional autônoma, ou se nossas potencialidades são mesmo inquestionáveis em um mundo que precisa de alimentos, combustíveis alternativos, modelos de democracia e lideranças capazes de agir sem o respaldo de armas nucleares, só o tempo dirá. Por hora, cabe aos formuladores de política externa brasileira e àqueles que pensam as relações internacionais do Brasil atentar para a atual posição que nosso país ocupa no debate intelectual norte-americano sobre a nova ordem mundial e quais são, exatamente, as vantagens e desvantagens, obrigações e potencialidades, de nossa inclusão no seleto grupo dos BRIC’s.
Mais:
Cláudio César Dutra de Souza e Sílvia Ferabolli são colaboradores do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Por que ainda somos diferentes

POLÍTICA
Por que ainda somos diferentes
Apoiado no fim do "socialismo real" e em certo desencanto com o governo do PT, o pensamento conservador alardeia o fim das fronteiras entre esquerda e direita. E no entanto, elas ressurgem em toda parte: por exemplo, na resistência ao Bolsa Família, às cotas nas universidades e à ação do MST Cláudio César Dutra de Souza, Sílvia Ferabolli(17/11/2007)Existem duas obras paradigmáticas à reflexão sobre a díade esquerda-direita, ambas publicadas em 1994: Direita e esquerda ? razões e significados de uma distinção política, de Norberto Bobbio e Para além da esquerda e da direita, de Anthony Giddens. Os dois autores, cada qual à sua maneira, buscavam refletir sobre os rumos a serem tomados pelos órfãos do socialismo que, no imediato pós-Guerra Fria, estavam epistemologicamente enlutados pelo que percebiam ser o fim de suas utopias mais caras, ainda sob o impacto do mundialmente famoso artigo de Francis Fukuyama ? "O fim da história e o último homem", de 1992. Bobbio defendia a legitimidade da díade esquerda-direita para analisar e entender o cenário político atual. Já Giddens acreditava que o mundo mudou radicalmente e que, por isso, os conceitos de esquerda e direita são anacrônicos. Fukuyama, por fim, dizia acreditar que a humanidade chegara ao seu estágio máximo de evolução com a universalização da democracia liberal ocidental.Uma obra menos conhecida entre os brasileiros, até mesmo porque não foi traduzida para o português, é La Droite et la Gauche ? Qu?est-ce qui les distingue encore? [A Direita e a Esquerda - O que ainda as distingue], de Claude Imbert, diretor de redação da revista Le Point e Jacques Juliard, articulista da revista francesa Nouvel Observateur. O livro, de 1995, é construído na forma de um diálogo respeitoso e construtivo entre dois amigos. Imbert representa o pensamento ?de direita? e Julliard o pensamento ?de esquerda?. Nessa obra, os autores apresentam um panorama crítico e intelectualmente impecável do que vem a ser a direita e a esquerda num mundo onde a clivagem ideológica bipolar não mais existe.Podemos pensar que algumas bandeiras da esquerda tradicional sejam anacrônicas para a maioria dos países do "primeiro mundo", que já possuem redes de proteção social e uma política sólida de distribuição de renda, duramente conquistadas no período pós-Segunda Guerra.Contudo, vemos na França de hoje uma repetição de discursos que nos são velhos conhecidos, enunciados pelo atual presidente Nicolas Sarkozy, acerca da ineficiência do Estado e da conseqüente necessidade de sua ?modernização?. Se Madame Tatcher e Fernando Collor de Mello não estivessem vivos e gozando de boa saúde, era de se imaginar que estivessem encarnados no presidente francês. Ele busca, tardiamente, colocar a França nas regras ultrapassadas do Consenso de Washington, subtraindo da nação francesa um papel mais efetivo que pode, e deve, ter na discussão de alternativas ao modelo hegemônico da atualidade. Atlético, ?jovem? e dinâmico, Sarkozy tenta passar a imagem do reformador valendo-se de estratégias discursivas perlocutórias, no intuito de induzir os cidadãos a concordar com a velha novidade de mudanças que visam agradar o sistema financeiro internacional.Lula versus Chávez? Quem vê a esquerda sul-americana dividida "esquece" que a região não é homogêneaNa América Latina, por outro lado, os líderes de esquerda mais expressivos do momento, Evo Morales e Hugo Chavez, efetuam o retorno a um discurso castrista que, na visão de muitos analistas, é um anacronismo impensável dentro de padrões contemporâneos. Mas de qual contemporaneidade estamos falando? Um capitalismo predatório só pode ser amenizado com uma esquerda mais incisiva. Talvez estejamos assistindo, em tempo real, um conjunto de situações históricas de um passado que insiste em se fazer presente. Posto que a situação sócio-política da América Latina difere, e muito, daquela dos países desenvolvidos, podemos perguntar aos críticos de Chavez e Morales se conhecem as bases absurdamente arcaicas que o capitalismo ainda possui nesses países e o trabalho que seus chefes de Estado vêm fazendo no sentido de resgatar sua soberania, o poder sobre seus recursos naturais e sua dignidade no cenário internacional.A propósito dessas diferenças, em um badalado artigo publicado na Foreing Affairs, em 2006, Jorge Castañeda se propôs a explicar ao público leitor de língua inglesa que existem duas esquerdas na América Latina ? uma moderna e outra populista. O primeiro grupo teria em Lula e na presidente chilena Michelle Bachelet seus principais representantes; o segundo, seria encabeçado por Chávez e Morales. O que talvez tenha escapado à compreensão de Castañeda é que o Brasil e o Chile são países mais modernos e desenvolvidos do que o são a Venezuela e a Bolívia. Portanto, é de se esperar que nos dois primeiros a esquerda tenha modernizado seu discurso e sua plataforma. Já na Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, e na Venezuela, que vive quase que exclusivamente de renda de petróleo, o suposto populismo do qual seus governantes são constantemente acusados talvez seja uma resposta ao populismo fundamentalista de mercado que varreu a América Latina no período crítico da globalização e que piorou significativamente os índices sociais dos países mais vulneráveis ou mais adesistas às novas orientações ? como a Argentina, por exemplo.Falando especificamente da realidade brasileira, após a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, as forças de esquerda passaram por uma séria crise de identidade, quase como um processo de luto da utopia perdida. Aquilo que esperavam do primeiro governo de esquerda brasileiro não se concretizou ? ou seja, um reforma estrutural profunda em relação às regras rígidas do neoliberalismo mundial. Não foram poucos os intelectuais que se alternaram em posições ora extremamente críticas, ora extremamente lenientes, na avaliação do governo Lula, principalmente nos eventos recentes. Se levarmos em conta as opiniões dominantes na grande mídia, o Brasil enfim teria descoberto a corrupção, o clientelismo e outras práticas supostamente nascidas com o governo petista ? malgrado os quinhentos anos de ?cultura da cordialidade? que parecem ter sido esquecidos pelos neo-oposicionistas do momento.No Brasil, cotas nas universidades e Bolsa-Família despertam o elitismo arraigado entre as elitesNo Brasil contemporâneo, a díade esquerda/direita adquire caracteres bem mais amplos e sutis do que a possibilidade de uma mudança radical de um modo de produção capitalista para uma economia socialista. Existem componentes periféricos que não podem ser negligenciados nesse debate. Cabe à esquerda ficar alerta às tentativas de distorção e neutralização de seu conteúdo programático, que freqüentemente chegam disfarçadas em cientificismos, pseudo-humanismos e uma gama infinita de argumentos retóricos e assustadoramente tributários do senso comum. Ao reconhecermos as diferenças entre os sistemas econômicos de exclusão dos países latino-americanos, estendemos o nosso olhar à necessidade imperiosa de ações que revejam o legado capitalista em nossa história.Elas se dão na forma de algumas proposições políticas atuais que enfrentam um alto grau de reação por parte da mídia e da inteligentsia brasileira. Convidam a perguntar o que nos faz atores políticos de esquerda em um país como o Brasil, que não empreende medidas rupturais profundas em relação ao seu modelo econômico ? e possui sérias limitações internacionais de atuação?Pensamos que o posicionamento de um cidadão frente a cotas nas universidades públicas, programa Bolsa Família e reforma agrária é um bom indicativo de suas posições políticas: se são de esquerda, ou de direita. Acreditamos que o engajamento de esquerda no Brasil passa (não exclusivamente, mas necessariamente) pelo posicionamento favorável a essas políticas. Ser a favor, nem sempre significa ser 100% a favor. Não esperamos que alguém seja ingênuo para pensar que a política de cotas, o programa Bolsa Família (PBF) e a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em prol da reforma agrária não sejam passíveis de críticas. Mas essas não podem paralisar um debate maior sobre a brutal desigualdade social brasileira.A atual política de cotas envolve importantes mudanças políticas rumo à redução de desigualdades históricas. Isso não significa que as cotas irão apagar, como num passe de mágica, os séculos de exploração e injustiças praticadas contra os afro-descendentes brasileiros. Mas representam, sim, um avanço importantíssimo que provoca reações incríveis por parte daqueles que compõem a nossa direita.Os Diogos Mainardis, alimentos permanentes ao preconceito contra a modesta redistribuição de riquezaRecorre-se ao conceito de meritocracia para negar a validade da política de cotas. Ora, desde quando a meritocracia reina neste país? Se respondermos positivamente a essa pergunta, seremos forçosamente conduzidos a uma conclusão evidente de que pobres e negros estão na situação vulnerável em que se encontram por sua própria culpa, e que nossas elites trabalharam duro para chegar onde estão ? no topo da pirâmide de um país com um dos piores níveis de distribuição de renda do mundo.Assistimos, espantados, as mais sofisticadas descobertas científicas que revelam a forte carga genética européia contida em nossos negros, que não seriam tão negros quanto pensam e, logo, a política de cotas seria uma fraude. Outros alegam, alarmados, a introdução oficial do racismo no Brasil, a incitação ao ódio inter-racial e outras pérolas. Elas denunciam um mal-estar significativo frente à hipótese de um negro sentar-se ao lado daqueles que julgam ocupar o lugar de núcleo pensante de nossas universidades públicas por conta, única e exclusivamente, de seus méritos. E a situação poderia ficar pior, caso nossos negros, além de tudo, queiram dar uma outra interpretação à nossa história: não aquela positivista, heróica e branca, em um país cuja dívida com índios, negros, pardos e mulatos ainda precisa ser paga.Outro argumento contrário à política de cotas baseia-se no entendimento de que deveríamos melhorar a educação de base, para que egressos de escolas públicas e privadas estivessem em nível de igualdade ao fim do Ensino Médio. Certamente essa é uma ótima idéia, mas quantas décadas, ou mesmo séculos, precisaríamos esperar para que pudéssemos presenciar os resultados dessa medida? Esse tipo de proposta parece um típico discurso brasileiro utilizado quando se quer deixar as coisas como estão: alegar a necessidade de algo mais profundo quando se tem a urgência de algo imediato. O resultado final é que, geralmente, nada é feito.Outro passo coerente é o posicionamento em relação ao Programa Bolsa Família (PBF), que efetua uma transferência direta em favor das famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. Novamente, nesse caso, assistimos à santa à santa indignação daqueles que afirmam que o ideal seria um programa de geração de empregos. Para eles, o PBF é esmola e estimula a vadiagem de quem, ao invés de produzir, contenta-se com o dinheiro ?fácil? recebido mensalmente. Em um país que ocupa uma posição vergonhosa em termos de distribuição de renda ? o décimo mais desigual do mundo ? não deveria uma solução dessas ser aplaudida como algo que visa reduzir minimamente a nossa brutal desigualdade, em um arremedo de estado de bem-estar social que nunca tivemos, já que pela percepção da facção radical de nossos representantes liberais, pobre só é pobre porque é vagabundo? Para entender como se processa essa apreensão tão rasteira da realidade, temos as colunas do caricato Diogo Mainardi e seus seguidores, que fornecem dados semanais à ignorância e ao preconceito de nossos conservadores anônimos, ou nem tanto.Resgate da dignidade dos mais pobres: o que a mídia faz questão de esconder sobre o MSTO Bolsa Família restitui a dignidade de muitas famílias que são beneficiadas pelo programa. Sim, mas existem distorções, dirão alguns, ?tem gente que está trabalhando e ainda assim está inscrito no PBF, recebendo regularmente o benefício?. Logo, o programa deve ser extinto. Dentro dessa linha de raciocínio, deveríamos extinguir também o INSS, o SUS, quem sabe até o Congresso Nacional, e todas as instituições passíveis de corrupção nesse país e deixar o incorruptível e isento mercado dar o rumo às nossas vidas ? embora os liberais mais esclarecidos já não compactuem com semelhante discurso.Não ignoramos a urgência de medidas que visem a resolução estrutural de problemas nacionais e que tornariam desnecessário o Bolsa Família, tais como a redução nas taxas de juros, a criação de novos postos de trabalho com o incentivo ao capital produtivo entre outras medidas de médio e longo prazo. Contudo, não são excludentes à aceitação do PBF como uma medida eficaz de redução da desigualdade em curto prazo.E, finalmente, a reforma agrária e sua expressão maior no país: o MST, que, para alguns (de esquerda), simboliza a luta pela justiça no campo, e para outros (de direita), são os Talibãs tupiniquins, inimigos do agro-business, ameaças à sacra propriedade privada e aos latifúndios formados ?meritoriamente? no decorrer de nossa história. O MST é internacionalmente conhecido e respeitado como o maior e mais organizado movimento pela reforma agrária do mundo. Mas aqui, os sem-terra são demonizados pela grande mídia, que se concentra tão somente no fato de haver ocupações de terra, cuja violência é sempre parte da reação dos fazendeiros na proteção de seus direitos sagrados à terra de que o próprio Deus parece ter-lhes passado a escritura.Jamais se mostra, em qualquer mídia, o trabalho social engendrado pelo movimento, que ajuda pessoas em estado de miserabilidade total, alcoolistas e candidatos ao lumpensinato, rumo ao pertencimento a um grupo e ao compartilhamento do sonho de uma vida mais digna.Não se está negando que o MST cometa alguns excessos e que possui falhas ? são suficientemente denunciados casos de famílias que ganham terra, vendem e voltam de novo para a fila. Mas como esperar, em um país onde todas as instituições de Estado são falhas, que um movimento social seja perfeito? Nossa situação agrária é herdeira do passado colonial desse país. Nossos latifúndios prosperaram durante séculos com a mão de obra de escravos que foram jogados à margem da sociedade quando da mudança para a mão de obra assalariada e européia (não é difícil perceber a relação entre a luta pela reforma agrária e as políticas de cotas ...).A essa situação agrária retrógrada e concentradora de renda e a esses latifúndios cuja construção histórica passou longe de qualquer meritocracia, o MST é uma justa resposta. Vem exercendo uma resistência pacífica contra a injusta distribuição de terras, denunciando ao Brasil e ao mundo há décadas que somos um país vergonhosamente desigual.A díade esquerda/direita está mais viva do que nunca, ainda que exista um imenso esforço rumo a um consenso centrista radical que nega a validade de posicionamentos mais assertivos. Michel Foucault afirmava que ?onde há poder, há resistência?. Quanto mais vertical e impermeável se apresenta esse poder, mais se necessitam ações que não obstruam um tensionamento político necessário para que os dados continuem rolando, sob pena de cair no totalitarismo em suas múltiplas formas.Direitos não são concessões, são conquistas. Talvez atores políticos como Hugo Chavez e Evo Morales e programas de cotas, PBF e reforma agrária nos termos propostos pelo MST não sejam indicados no Canadá, Noruega, Inglaterra e outros países onde o capitalismo se mostra mais domesticado e reformado. Mas dentro da realidade brasileira e latino-americana, essas ações sustentadas pela esquerda e pela maioria de seus apoiadores tornam-se uma real esperança de superação de desigualdades. Para que sejam dispensáveis no futuro, são atualmente imprescindíveis.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O Brazil dos tucano-pefelistas (I)

O GOVERNO FHC – O BRASIL TERIA AGUENTADO OITO ANOS MAIS?
A aliança tucano-pefelista assumiu o governo em 1994, com FHC, prometendo que a estabilização monetária resolveria todos os grandes problemas do Brasil: inflação, divida pública, estagnação econômica, atraso na modernização do país, desemprego, poder aquisitivo dos salários, etc. etc. Era um bloco novo no Brasil, em que um partido que se dizia social-democrata, formava uma coalizão com um partido originário da ditadura (cuja mudança, novamente, de nome, não permite disfarçar sua origem, de que seus caciques são testemunhas: Borhnausen, ACM, Marco Maciel, Garibaldi Alves e outros que o dirigem atualmente), para aplicar o programa do FMI, do Banco Mundial e da OMC, que já estava sendo aplicado por Menem na Argentina, pelo PRI no México, por Carlos Andrés Perez na Venezuela, entre outros.FHC reelegeu-se, quatro anos depois, com toda a urgência, porque o Brasil estava de novo quebrado nas mãos de sua equipe econômica, Pedro Malan negociava uma nova Carta de Intenções com o FMI – a terceira, em menos de quatro anos, na terceira quebra do país -, pelo que era necessário ganhar no primeiro turno, para impedir que o povo soubesse o que saberia poucas semanas depois: a nova falência, a nova Carta, as falcatruas do Banco Central – no caso Marka-Fonte Sindam, pelo qual vários dos diretores daquele Banco estão condenados – e a elevação da taxa de juros a 49% (sic). Tudo feito com todo o apoio da grande imprensa privada – FSP, Veja, Estadão, O Globo. O Brasil foi jogado numa recessão, da qual só saiu recentemente, com profunda feridas daquela política regressiva e anti-popular.A quebra por três vezes do país foi conseqüência da política econômica de FHC, apoiada por todos os organismos internacionais, por 3/5 do Congresso – incluído o PMDB, o PPS, o PV, o PP, o PTB – e da grande mídia. O candidato que dizia que “o Estado brasileiro gasta muito e gasta mal”, fez a mágica de transformar a inflação em dívida pública, multiplicando-a por mais de 10 vezes, levando o Estado brasileiro à falência.Privatizou todo o patrimônio público que conseguiu – da Vale do Rio Doce, empresa líder do seu setor no mundo, vendida a preço que permitiu pagar dois meses da dívida pública, a preço de banana, às telecomunicações, entre tantas empresas -, chegou a fazer com que a Petrobras mudasse de nome para Petrobrax – por 24 horas, teve que retroceder diante da indignação pública -, para tirar-lhe a referência a Brasil, torna-la “empresa global” e favorecer sua privatização, iniciada com a venda de ações da empresa nas Bolsas de São Paulo e de Nova York, depois da quebra do monopólio estatal do petróleo.O governo tucano-pefelista de FHC promoveu o mais acelerado processo de concentração de renda que o Brasil conheceu em um breve espaço de tempo – de que a transferência de patrimônio publico a mãos privadas foi uma parte essencial – e FHC saiu do governo com a mais baixa avaliação que um presidente havia tido (quando Lula têm 80% de apoio, no seu sexto ano de governo, FHC tinha apenas 18%, quase cinco vezes menos), considerado o “candidato dos ricos”, a quem favoreceu como nunca havia acontecido no Brasil.O que seria do Brasil se Serra tivesse sido eleito, para dar continuidade ao governo FHC? Como o Brasil teria sofrido a crise atual, caso as orientações do bloco tucano-pefelista tivessem prevalecido?A essas perguntas responderemos no próximo artigo da série "O Brazil dos tucano-pefelistas".
Postado por Emir Sader às 07:43

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Uczai recebe sindicalistas da Argentina na Assembléia



O líder do PT na Assembléia Legislativa, deputado Pedro Uczai, recebeu na manhã de terça-feira um grupo de sindicalistas argentinos. Eles vieram a Santa Catarina realizar um intercâmbio de conhecimento em parceria com a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fetiesc) e aproveitaram para conhecer o funcionamento do parlamento catarinense. Entre as atividades, eles também participaram de um encontro com o presidente da Casa, deputado Júlio Garcia.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A imparcialidade da RBS!!!!!!



O grupo RBS confirma a aquisição pela Gávea Investimentos de uma parcela de 12,64% do seu capital.

Esta matéria poderia simplesmente passar despercebida, não fosse pelo fato, de o sócio fundador da Gávea Investimentos, ser, ninguém mais que Armínio Fraga.

Armínio Fraga, ex-presidente do BC da Gestão FHC, (lembram dos altíssimos juros e da submissão ao FMI?) neoliberal convicto e membro da Casa das Garças, Instituto de Estudos de Política Econômica que reúne pensadores da elite brasileira.
Armínio Fraga atualmente é gerente de fundos de pensões, tais fundos que lhe possibilita ser mais um dos especuladores da economia brasileira, com o privilégio e status de ter sido comandante do BC brasileiro. Não satisfeito, agora quer ampliar o tucanato em investimentos nas áreas de comunicação.

Que o Grupo RBS tem inspirações ideológicas de direita ninguém tem dúvida, mas, seu discurso de imparcialidade cai por terra.

Imaginem se por acaso um ex-ministro do governo Lula e do PT, adquirisse parte das ações do grupo RBS! Em primeiro lugar, o que nós pensaríamos??? Em segundo, qual seria a ação dos adversários?
Provavelmente a ação dos adversários seria alardear aos quatro cantos, as mais falsas e rotineiras das acusações: a falta de liberdade da imprensa promovida pelo partido, ou ainda, a ditadura Stalinista que estaria entrando no Brasil pelas mãos do PT.

O mais interessante é a tentativa de Nelso Sirotsky, sócio majoritário do Grupo RBS, desvincular a compra efetuada em relação a posição ideológica das transações: “A entrada da Gávea não altera a nossa linha editorial e preserva os nossos princípios e valores como empresa de comunicação. Agora estamos ainda mais sólidos para continuarmos a garantir qualidade e inovação aos nossos públicos e anunciantes”

Cada vez mais se faz necessário a democratização dos meios de comunicação, o debate de imparcialidade já é uma grande lenda...

Carlos Eduardo de Souza
Coordenador da Esquerda Socialista

terça-feira, 14 de outubro de 2008

NOTA PÚBLICA SOBRE O SEGUNDO TURNO EM FLORIANÓPOLIS


O Partido dos Trabalhadores de Florianópolis apresentou, através da candidatura a prefeito do companheiro Nildomar Freire, o Nildão, uma série de propostas e soluções concretas e factíveis para nossa cidade. Pautamos nossa campanha pelo respeito com a população e, inclusive, com nossos adversários. Coerentes com nossa formação democrática, respeitamos os eleitores da nossa cidade, que escolheram outros dois postulantes para disputar o segundo turno. Salientamos que as propostas representadas no segundo turno estão muito distantes do que defende o PT para Florianópolis. Neste sentido, o partido não apóia nenhum dos postulantes e orienta os filiados, mandatários (as) ou não, a não se manifestarem publicamente a favor de nenhum dos candidatos, liberando a decisão pessoal e individual de voto. Conclamamos também nossos militantes e simpatizantes a se envolverem na luta concreta do dia-a-dia, através das diversas organizações e movimentos sociais, no debate sobre os rumos da nossa cidade. Da mesma forma que estaremos atentos, enquanto partido, nos espaços democráticos que ocupamos, para defender e preservar os interesses de Florianópolis e seus cidadãos.
Diretório Municipal de Florianópolis
13 de outubro de 2008.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As provas são irrefutáveis



Mino Carta
Que diria o atento leitor, o cidadão honrado, ao ser informado que o supremo representante da Justiça brasileira compra terrenos de 2 milhões de reais por um quinto do valor? E que diria ao verificar que, ao aliar à atividade de magistrado a de empresário da educação, fecha contratos sem licitação para cursos diversos com entidades estatais as mais variadas, desde a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional até o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação? É de se supor que o cidadão em pauta ficaria entre atônito e espantado. A mídia nativa aposta porém em leitores rudes e ignaros, que não precisam, ou melhor, não podem e não devem conhecer situações do Brasil 2008 como as acima apontadas. Donde, que Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, aquele que chamou às falas o presidente da República, durma sonos tranqüilos a despeito do clamoroso conflito de interesses revelado pela magistral reportagem de Leandro Fortes, publicada na edição de CartaCapital da semana passada. A mídia nativa alimenta uma convicção terrível e, ao mesmo tempo, patética: não acontece aquilo que ela não noticia. Por quanto tempo ainda conseguirá enganar muitos cidadãos, por mais honrados e atentos? A verificar. Vale, em todo caso, citar o chamado ombudsman (ombudsman? Estaremos na Suécia?) da Folha de S.Paulo, na sua tentativa de explicar o silêncio do seu jornal em relação às revelações de CartaCapital. Pergunta-lhe diretamente um leitor por que ignorar fatos tão relevantes, sem deixar de recordar que o célebre grampo da conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres, até hoje sem prova, teve ampla cobertura da Folha. Responde o ombudsman que, dependesse dele, ambos os assuntos não teriam registro, embora sustente que a reportagem de CartaCapital apenas se refere “a um possível conflito de interesses”. Possível? Escancarado, indigno de um país que se pretende democrático. Que esperar, no entanto, do ombudsman (esta palavra, insisto, me causa enormes perplexidades) de um jornal que, por exemplo, se esbaldou em casos como o do cartão corporativo da tapioca, enquanto enterrava rapidamente as informações sobre o relacionamento tucano com a Alstom. Seria demais exigir do solerte fâmulo que se perguntasse por que o próprio Gilmar Mendes, ao reagir contra CartaCapital, falasse em “pistolagem jornalística” em lugar de se dizer vítima de mentiras. Não diz porque as provas são contundentes, e um magistrado ao menos sabe disso. Agora sou eu quem pergunta aos meus pacientes botões qual seria a razão pela qual figuras como Gilmar Mendes, ou como Daniel Dantas, contam com o pronto amparo da mídia nativa. Arrisco-me a um palpite: antes de qualquer outro interesse eventualmente em jogo, trata-se talvez de exercer a proteção corporativa, pontual e inexorável entre aqueles que, de uma forma ou de outra, participam dos mesmos privilégios e os mantêm com a ferocidade necessária. Os donos do poder, dispostos a vender a alma para deixar as coisas como estão. Há, entre os próprios mestres chamados a transmitir seu saber no instituto de propriedade de Gilmar Mendes e mais dois sócios, quem se prontifique a enaltecer a qualidade dos cursos ali ministrados, em precipitada prática do vitupério. É o de menos. Demais é constatar a obediência à omertà por parte da mídia, a lei do silêncio imposta ao povo siciliano pela Máfia e aqui cumprida pelos senhores midiáticos. Diz Mendes, de quem supomos mais familiaridade com a lupara do que com a pistola, que CartaCapital serve às conveniências do diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda. Pingos nos is. Lacerda, íntegro e competente policial, merece o maior respeito. Afastado injustamente, por obra das insuportáveis pressões do presidente do STF e do ministro da Defesa, Nelson Jobim, já foi convidado a retornar ao cargo pelo presidente da República. Foi o reconhecimento tácito, mas explícito, do erro cometido ao dar ouvidos a dois prepotentes intérpretes da nossa Idade Média.


Justiça paulista declara coronel Ustra torturador

“Julgo procedente. Houve relação jurídica entre os autores e o réu. E este causou danos morais por ato decorrente de tortura”, proferiu o juiz Santini

Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército, foi responsável pela tortura dos integrantes da família Teles, durante a ditadura civil militar (1964-1985). Assim entende o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que hoje (9), expediu sentença em que julga procedente o pedido de declaração de responsabilidade de Ustra pela tortura dos ex-presos políticos Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles e Criméia Schmidt de Almeida, que sofreram os abusos no DOI-Codi paulista, nos anos 1970, na época, sob o comando do coronel.
"Julgo procedente. Houve relação jurídica entre os autores e o réu. E este causou danos morais por ato decorrente de tortura", proferiu o juiz Gustavo Santini, da 23ª Vara Civil. A ação civil declaratória era movida, também, pelos filhos de César e Maria Amélia, Janaína e Edson Teles. No entanto, o juiz julgou improcedente o pedido deles. À defesa, cabe recurso.
Gostaria muito que meu sofrimento fosse reconhecido, mas, diante de todas as dificuldades que temos em relação a esse tema, e, por essa decisão ser inédita, me sinto vitoriosa. Essa decisão significa um grande avanço", afirma Janaína. “Chegamos ao nosso objetivo, que era declará-lo torturador. Ele [Ustra] torturou nossa família, e a justiça reconheceu isso”, disse ela. “Essa decisão ajuda a recuperar a verdade, e as pessoas vão passar a se questionar mais sobre isso. Sinto um misto de satisfação e alívio”, disse, emocionada.
Janaína, que é historiadora, acredita que a decisão pode abrir um precedente para que se questione a interpretação da lei de anistia, que protegeria agentes do Estado responsáveis por tortura.
Para Aníbal Castro de Souza, que, juntamente com o jurista Fábio Konder Comparato representa os Teles, a decisão do TJ representa uma grande esperança e uma grande vitória para a democracia. “O Brasil, por intermédio do Poder Judiciário reconheceu o direito à verdade acerca do ocorreu efetivamente nos “anos de chumbo”. Com isto, consolida a democracia para que todos saibam que ninguém pode agir à margem da lei. A lei de anistia não pode ser um escudo contra impunidade daqueles que desonraram as Forças Armadas”, afirmou.
Castro comemora a decisão inédita da Justiça brasileira. "Pela primeira vez na história do país, houve o reconhecimento judicial e, portanto, oficial, do Estado brasileiro de que um militar de alta patente teve participação efetiva em torturas contra civis. "Já houve outras decisões reconhecendo indenizações a pessoas torturadas, mas todas eram contra a União Federal enquanto ente jurídico”, afirma.
Com o nome de guerra de Major Tibiriçá, Ustra reestruturou e comandou, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, a unidade paulista do DOI-Codi, onde, conforme levantamentos de entidades de direitos humanos, foram torturados 502 presos políticos, 40 dos quais morreram em decorrência dos abusos.
Ao acatar a ação, Santini afastou o argumento dos advogados do coronel reformado de que o processo não poderia seguir em razão da Lei da Anistia.
Uma ação da mesma natureza- ação civil declaratória- foi extinta, dia 23 de setembro, pelo TJ-SP. O processo movido pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto aos 23 anos pela repressão, foi anulado por motivos técnicos, segundo os desembargadores, que não entraram no mérito do caso.
O desembargador Hamilton Elliot Akel, votou pela extinção do processo, alegando que uma ação declaratória não é adequada para o tipo de responsabilização que a família de Merlino quer. “O meio processual eleito não é adequado”, disse.
O processo contra Ustra é movido pela irmã do jornalista, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela sua ex-companheira, Angela Mendes de Almeida. Os advogados da família, os mesmos que representam os Teles, irão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de recurso.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

AS CASSANDRAS NEOLIBERAIS

Emir Sader
A esquerda costuma ser acusada de catastrofista. Mas agora é a direita que, sem propostas, aposta no quanto pior melhor, para ver se consegue voltar ao governo, desesperada diante dos 80% de popularidade do governo Lula.
Primeiro apostavam na inflação, que ia tornar-se descontrolada e levaria o país à recessão pelas medidas que, no receituário deles, costumas ser tomadas. Seguiam o editorial do The Economist queesperava que o governo de Fernando Lugo fosse o ultimo governo progressista na América Latina porque, dizem eles, chegam tempos de recessão e nisso a direita é craque. Propõem explorar temas dolorosos e que lhe são caros, como enfermeiros da recessão e dos sofrimentos para o povo: inflação e violência. Centram-se na exploração desses temas. Se esquece a revista não apenas que o continente é outro hoje, mas que em El Salvador Mauricio Funes, candidato da FMLN é amplamente favorito para ampliar a lista de presidentes progressistas na América Latina. E que a capacidade de resistência desses governos diante da crise é maior do que durante aqueles dos seus fracassados queridinhos – FHC, Menem, Carlos Andres Peres, Sanchez de Losada, entre tantos outros.
FHC, apostolo do caos, aposta na crise, na recessão. Ele, que conhece bem isso. Afinal, nos seus oito anos de governo – recordar que ele comprou votos para mudar a Constituição durante seu mandato, para ter um segundo mandato -, quebrou o Brasil três vezes, teve que ir ao FMI três vezes para assinar novas Cartas-compromisso. Escondeu a crise durante a campanha eleitoral de 1998, fez tudo – ajudado amplamente pela mesma imprensa privada que agora aposta no caos – para ganhar noprimeiro turno, porque o país estava de novo quebrado e Pedro Malan negociava novo acordo de capitulação com o FMI. Não deu outra, veio a crise, os juros foram elevados para 49% (sic) e a economia entrou na prolongada recessão que acompanhou todo o governo FHC e fez com que os tucanos fossem amplamente derrotados em 2002 e FHC seja o político com pior desempenho na opinião do povo brasileiro. E foi uma crise provocada e sofrida aqui, não como conseqüência de uma crise internacional.
Agora a direita aposta na crise, que é a crise da sua doutrina, das suas pregações sobre as virtudes do mercado. Fariseus, tentam esconder que são discursos como os seus que levaram à farra especulativa dos EUA – meca do neoliberalismo – e cujos efeitos o governo tem que enfrentar. Governassem os tucanos, imaginem o que seria a economia do Brasil se Alckmin tivesse ganho - como queria a imprensa privada -, com o grau de fragilidade que teríamos, com a continuidade da abertura econômica que os tucanos pregam.
Lula precisaria fracassar, porque se o douto, o sábio, o ilustrado, o queridinho dos grandes empresários e da imprensa privada, FHC, fracassou – na política econômica, na política social, na política educacional, na política cultural, na política externa -, fracassou, como um torneiro mecânico, nordestino, que perdeu um dedo nas máquinas, do PT, pode triunfar. É o fracasso das teorias que pregam que as elites sabem mais, podem mais, fazem melhor as coisas. A mesma teoria que fracassa na Bolívia, onde o índio Evo Morales dá certo, onde o gringo Sanchez de Losada fracassou. Na Venezuela, onde o mulato Hugo Chavez dá certo, quando a elite branca de Carlos Andres Peres, de Rafael Caldera, fracassaram.
As economias dos países que participam dos processos de integração regional, porque privilegiam os intercâmbios entre seus países, porque diversificaram seus mercados internacionais – com o da China ocupando lugar de destaque -, porque desenvolvem os mercados internos de consumo popular, dependendo menos das exportações, porque vão dispondo cada vez mais de recursos próprios de financiamento – que o Banco do Sul vai incrementar -, sofrem menos as conseqüências da maior crise do capitalismo desde 1929. Recordar que como efeito desta, caíram 16 governos latino-americanos. Agora, nenhum deve cair e sofrem mais os que mais se atrelaram à economia estadunidense e mais seguiram aferrados ao neoliberalismo – de que o México é o caso mais grave.FHC, e todas suas viúvas na imprensa privada, podem chorar, podem pedir pelo pior, podem esperar sentados o fracasso dos novos governos latino-americanos. Seu tempo já passou, o funeral de Wall Street é o seu funeral, o da apologia dos mercados, do Estado mínimo, do reino da especulação. Que descansem em paz, que o povo brasileiro tem mais o que fazer, tem que se ocupar do seu destino, seu essas cassandras neoliberais que ele derrotou e segue derrotando.
Emir Sader 09/10/2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Capitais em disputa no campo educativo...


Baseando-se nos conceitos de campo de Bourdieu, é possível pensar em alguns capitais que poderiam disputar o campo educativo. Assim, certo tipo de capital, o cultural, está muito presente quando se fala em educação. Isso se insere através de uma perspectiva civilizatória no qual se incluem os sujeitos sociais e conteúdos previamente estabelecidos, com o intuito de reforçar a dominação ideológica sobretudo na compreensão do cotidiano.
Dentro do então chamado campo educacional brasileiro, as disputas entre agentes partem ainda, de uma perspectiva da comunicação. Fazemos essa leitura a partir do momento em que se consolidam as emissoras de televisão que apoiavam o regime militar que se inicia em 1964. Quer dizer, antes de chegar aos capitais culturais que norteiam o discurso educacional contemporâneo, é necessário entender sobretudo, de onde vem o poder e o alcance da transmissão midiática de massa, nesse tocante citando a Rede Globo.
O momento em que se consolida como veículo oficial informativo da ditadura militar, durante o governo Médici, a Rede Globo passou a invadir os lares brasileiros e com isso subvertendo a ordem de informação de acordo com os interesses do governo: começava uma ditadura pela cultura de massa no Brasil. Quer dizer, isso não é nenhuma novidade se lembrarmos do papel da radiodifusão da ideologia de um regime totalitário no Brasil, vide a Era Vargas e o papel do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) ainda nos anos 30 e 40.
É evidente que essa proposta é perceber num ponto, um foco, sobre o surgimento ou ainda, a formação de um expoente ideológico que se reflete num contexto histórico. A gênese dessa luta de capitais educativos, que remonta a própria ocupação do espaço físico brasileiro não é nossa preocupação, mas sim o momento onde essas disputas se intensificam de acordo com a historicidade.
A partir do momento em que se delimitam esses papéis, esses focos discursivos dentro da mídia brasileira, delineiam os campos de atuação de cada um. Da maneira como ocorrem esses embates, invisíveis na maioria das vezes, onde prevalecem os capitais mais interessantes a essa parcela ínfima é que deve ser o foco de uma discussão desse gênero: como se estruturam esses capitais em disputa?
Segundo Bourdieu (1997, p.82), ao citar o exemplo das televisões na França, chegou a uma interessante constatação: o discurso, por mais antagônico que pareça possui uma convergência naquilo entendido como capital simbólico. Em outras palavras, um discurso ainda que enunciado, representado, possui no seu cerne um sentido que muitas vezes não difere de um discurso dito “contrário”, pois ao final das contas não existe diferença visível na disputa do espaço de enunciação.
Partindo dessa premissa, a distribuição desses capitais simbólicos se faz a partir da disputa que se existe dentro do campo. No campo educacional, como nos outros campos, isso é ainda mais interessante quando se pensa na perspectiva civilizatória nos quais certas ações se escondem, de acordo com aqueles atores sociais já estabelecidos e aqueles que buscam se estabelecer. Cada qual faz uma leitura a sua maneira e a sua realidade. Um exemplo disso é a atual proposta de reforma ortográfica da língua portuguesa, que há quem diga que faz parte de um conjunto de interesses privados de empresas que produzem livros didáticos e para-didáticos[1]. Dessa maneira, uma reforma dessa natureza abriria um mercado editorial em países em busca de uma identidade, como as ex-colônias portuguesas devastadas por décadas de guerras civis.
Ou seja, essa é somente uma das inúmeras leituras que podem se apresentar de acordo com a situação ou contexto presenciado dia-a-dia através da imprensa escrita e/ou falada. Porém, se essa mesma informação fosse divulgada por outro canal, ela teria outro significado, outro discurso. Entre aqueles que procuram mudar o campo, existem aqueles que procuram manter o campo intacto, intacto na sua posição de detentor de uma ideologia laboriosamente constituída.
Por fim, nessa discussão entre os capitais diversos (cultural, simbólico, político) que permeiam a composição de um campo percebemos que é fundamental perceber na conjuntura, ainda que de curta duração, uma permanência e/ou rupturas continuas da ordem da representação. Dentre outras situações, nessa breve explanação, foi apontar na gênese de uma política de inclusão cultural, ainda na ditadura militar brasileira, o divisor de águas na transformação de um espaço simbólico contemporâneo visivelmente disputado.

BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
[1] Sobre a reforma ortográfica e o mercado editorial, vide http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=15754 (Acesso em 8 de outubro de 2008) e http://www.abigraf.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3570&Itemid=43 (Acesso em 8 de outubro de 2008).


Por: Antônio Celso Mafra Junior
Historiador

Fpólis 9 de outubro de 2008

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Entre as expressões do sabor e comentários azedos de Arnaldo Jabor!!!













Lembro-me que quando criança apostava em chupar limão e não ter expressões na face, sempre perdia. As rugas no rosto evidenciavam meu descontentamento com o sabor azedo daquela fruta. Me perguntava: mesmo sabendo do que provavelmente aconteceria, porque continuava a apostar?

Essa mesma pergunta me veio ontem quando assistia no Jornal da Globo o comentário de Arnaldo Jabor (dublê de cineasta e jornalista) , mesmo sabendo da ardis demagogia suscitada em seus comentários, lá estava eu com a expressão facial de quem acabara de provar o limão.

O comentário dele era sobre a crise econômica e o discurso do presidente Lula na plataforma P-51, como sempre, sua abordagem revestida de um verniz neo-conservador adequado ao modelo neoliberal, hegemônica no jornalismo de mercado.

Começa dizendo o importante beneficio do Brasil com funcionamento da “bolha” que só por isso o governo se deu bem, que o governo FHC é que foi o verdadeiro responsável, garantindo a possibilidade do crescimento do Brasil no Governo Lula. E que este governo teve a sorte em contar essencialmente e exclusivamente com o pragmatismo de Meirelles e Palocci.

Ora, vejamos, a atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, explicita o fracasso e o desastre da ideologia do livre mercado global descontrolado, obrigando o governo norte-americano, a desenvolver ações com o protagonismo estatal, esquecido desde os anos trinta.

Ao passo que o EUA fazia da sua economia um verdadeiro cassino, apostando no sucesso dos abutres especulativos do mercado, as grandes corporações, diagnosticadas como psicopatas pelos vários desastres atribuídos ao planeta e aos seres que aqui vivem, desde as guerras pelo petróleo, minérios, pela degradação ambiental e social. O Brasil ao contrário, atuava na contra mão do sistema neoliberal, mantendo as estatais sob o comando público, injetando razoável quantia de investimentos na área social e de infra-estrutura, e acima de tudo, com muito custo e muitas criticas, cumprindo metas de superávit e de juros, herança deixada com tamanha “incompetência” se é assim que podemos dizer, dos oito anos do governo tucano.

E é bom lembrar ao nosso Azedo Jabor, garoto de recados, a trapalhada das privatizações, que sustentaram as trapalhadas do governo anterior ao Lula, ou melhor dizendo, nem isso foi base de sustentação para FHC, pois as privatizações não fizeram baixar nossas dividas com o FMI, ao contrário.

Nosso comentarista, longe de sentir ou viver os problemas que afligi a população, tenta comentar com certo ar de autoridade sobre assuntos que a meu ver, são de extrema importância e estão ligados diretamente no cotidiano de quem sobrevive no Brasil. Aposto que se ele chupasse um limão a cada comentário idiota, lembraria o quão é azedo o sabor dos seus comentários.

Carlos Eduardo de Souza
Vice presidente PT-SC

Lula critica comportamento do FMI na crise norte-americana


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta terça-feira (7), em Angra dos Reis, o comportamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação à crise financeira dos Estados Unidos. “Quando era o Brasil que tinha problemas, todo dia tinha banco dando palpite. Toda semana uma equipe do FMI dizia: faz isso, faz aquilo. E o coitado do Brasil quebrava. Cadê os palpites que eles estão dando agora na crise americana? Cadê o FMI? Por que o FMI não está lá dando palpite agora? Por que não estão na Europa dando palpite? É porque a crise é deles”, alfinetou Lula, ao participar da cerimônia de batismo da plataforma P-51.
Lula lembrou que tentou discutir a crise das subprime norte-americana no último encontro do G-8. “Tentei discutir duas vezes a crise, e eles não quiseram. Vamos discutir meio ambiente, disseram, porque aí eles queriam falar dos problemas da Amazônia.” Ele assinalou que a crise atual envolve cerca de US$ 1 trilhão, o que significa quase 30 vezes os prejuízos causados por todas as outras crises recentes juntas.
“Primeiro veio a crise do México, em 94, que deu um rombo na economia de US$ 50 bilhões, e o Brasil quase quebra. Depois, veio a crise da Ásia, que deu um rombo de US$ 70 bi, e o Brasil também quase quebra. A crise da Rússia deu um prejuízo de US$ 40 bi, e o Brasil mais uma vez quase quebra”, recordou Lula.
Agora, prosseguiu Lula, o Brasil não quebrou. “Essa é a raiva de alguns. E eu não estou dizendo que a gente não pode ter dificuldades, mas até agora o Brasil está de pé. Nós fizemos o que temos de fazer. A dívida interna era em dólar. Ou seja, qualquer coisinha lá fora, o Brasil quebrava. Agora, nossa dívida é em real. Agora, nós não devemos ao FMI. Temos é US$ 207 bilhões em reservas. Portanto, fizemos o sacrifício que tínhamos que fazer. Portanto, não queremos socializar a miséria. Nós queremos é socializar a abundância”.
O presidente alertou a população brasileira para o fato de que durante muitas semana ainda vai se falar em crise e que a Bolsa vai subir ou cair. “Mas o país encontrou o seu destino e nada vai fazer a gente voltar à miséria. Toda vez que alguém falar em crise, olhe para aquele ali (apontando para a P-51). Os mesmos que estão querendo ver a crise atingir o país são os que diziam que o Brasil não podia fazer estas plataformas”.
Lula reiterou ainda que o governo federal não vai baixar nenhum pacote econômico para combater a crise financeira internacional. Segundo ele, as medidas serão pontuais e anunciadas a cada dia, de acordo com o surgimento dos problemas que envolvam cada setor da economia.
Na avaliação do presidente, “toda vez que neste país se falou em pacote, quem ficou com o prejuízo foi o trabalhador. Então, nós vamos tomar medidas sempre que os problemas surgirem. O que eu recomendo é: tenham juízo, porque sempre que houve crise nós comemos o pão que o diabo amassou. Agora que a gente pode comer um pãozinho com mortadela, não queremos voltar a comer o pão que o diabo amassou novamente”.
Ele também ressaltou que esta é a primeira crise que o governo não precisa explicá-lá, porque todo o povo brasileiro já sabe que ela está acontecendo por causa da especulação financeira que começou nos Estados Unidos. “Eles brincaram com a economia. Eles brincaram com a política de financiamento. E bem na hora que a porca torce o rabo, sobra para nós.”
A crise americana, disse Lula, é muito mais profunda e talvez seja a maior dos últimos 50 anos. “Acho que só perde para a de 1929. É uma crise profunda. E ela está chegando na Europa porque também os bancos europeus participavam do cassino imobiliário dos EUA. Essa é a verdade.”

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Historiador analisa a crise do capitalismo e a importância atual de Marx



Em entrevista a Marcello Musto (Sin Permiso), traduzida e publicada por Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/), o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.
Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.
Confira a íntegra entrevista: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”. Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?

Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.
Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.
Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.
Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?
Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta. As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.
Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.
Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.
No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso. Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.
Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?
Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).
No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?

Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.
Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas LozanoTradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer