O conceito da “Revolução
democrática” contemporânea.
*Por Diego Rabelo
Os ensinamentos dos processos políticos
desencadeados pela classe trabalhadora e os seus partidos,
fundamentalmente no século XX, ainda iluminam o imaginário de parte
da esquerda contemporânea. Muito citado, mas pouco estudado, o
marxismo é a ciência norteadora dos agrupamentos que reivindicam a
revolução socialista dizendo-se representantes oficiais do
proletariado. Nessa perspectiva, ao reivindicar o marxismo é
necessário fazê-lo assumindo toda a sua natureza metodológica,
criteriosa e disciplinada, assimilando ainda o desenvolvimento
político, econômico e cultural de um determinado contexto.
A grande revolução
russa, a principal revolução proletária da história da
humanidade, foi uma rica experiência da classe trabalhadora e
colocou a prova dos seus acontecimentos o desenvolvimento da teoria
marxista em um país semi-feudal do leste da Europa. Mais do que
isso, desnudou todo o dogmatismo impregnado nos formuladores, toda a
vacilação dos oportunistas e por fim dinamitou o sentimento
colonial impregnado no povo russo. Essa experiência ainda é muito
pouco compreendida, principalmente pelas novas gerações de
proletários que se decidiram pelas fileiras da esquerda socialista.
Uma importante divergência entre os
revolucionários russos se deu sobre o caráter e os atores da
revolução que se desenvolvia naquele país. O marxismo clássico
apontava para uma revolução a partir do choque das forças
produtivas com as relações de produção, o que deveria acontecer
em um país onde o capitalismo estivesse suficientemente maduro. Mas
a elaboração dos socialistas não tratava detidamente da revolução
em um país atrasado, o que pôs o desenvolvimento dos acontecimentos
em um patamar de compreensão complexo.
No Brasil, há uma grande polêmica
colocada dentro do Partido dos Trabalhadores – principal partido da
classe, acerca da tática e da função política dessa ferramenta
que é o Partido. Se por um lado é conseqüente afirmar que pouco a
pouco o PT se afastou da perspectiva revolucionária capaz de romper
com a ordem, seria inconseqüente pôr-se de costas para o acumulo
histórico que o mesmo representa. Costumo dizer que o PT é um
partido em franco processo de esgotamento, burocratizado e
excessivamente institucional, vulnerável a sua estrutura e o pior,
cada vez mais distante da base social que o constitui.
É neste contexto que as diversas
tendências que compõe o PT se colocam a disputá-lo, por vezes, na
mesma lógica institucional que o descaracteriza. O exemplo disso é
a “revolução democrática” defendida por alguns segmentos do
Partido como um processo alternativo a perspectiva apontada pelo
“neoliberalismo”. Na opinião dos mesmos, a inserção de uma
importante camada de brasileiros a zona de consumo, as novas relações
do movimento social com o governo e um suposto respeito à
independência destes, representou uma transformação social capaz
de interromper a lógica colonial de atraso cultural e econômico da
população em geral.
Nada mais falso!
Uma verdadeira revolução democrática
somente foi possível através da substituição de uma classe
decadente e opressora por outra ascendente, capaz de contribuir no
desenvolvimento das forças produtivas. Na Rússia do Século XIX, a
questão da revolução democrática foi naturalmente posta pelas
diversas correntes de opinião. Na verdade, se acreditava que a
revolução russa tinha um caráter burguês, justamente pelas suas
condições econômicas específicas de atraso e o caráter do
sistema feudal com que se desenvolveu o país.
Compreendendo o desenvolvimento da luta
de classes no mundo, a história nos mostra que a cisão do POSDR¹
em duas frações se deu fundamentalmente pela concepção da
revolução na Rússia. Se por um lado havia concordância com as
tarefas da revolução, por outro havia um absoluto desacordo com os
agentes desta. Os mencheviques acreditavam que por se tratar de uma
revolução burguesa naturalmente a mesma deveria ser dirigida e
assegurada pela burguesia. Em contrapartida, os bolcheviques
acreditavam que o tempo histórico da burguesia russa era
completamente distinto das potências centrais tornado-a incapaz de
cumprir a sua própria tarefa histórica e que somente o proletariado
seria capaz de fazer a revolução democrática burguesa até as suas
ultimas conseqüências.
Incongruente? Para quem compreende o
marxismo de forma dogmática, talvez. O materialismo histórico e
dialético costuma ser impiedoso com dogmatismo. Lênin e Trotsky
compreendiam que num país pouco industrializado e com uma classe
operária tão jovem e pouco numerosa seria impossível pensar um
esquema de revolução idêntico a Alemanha, a Inglaterra ou a França
por exemplo. E mais, a burguesia russa já não era uma classe
ascendente, diferentemente de outros países, mas uma classe
conservadora e incapaz de garantir o aprofundamento das relações
democráticas.
De forma bem genérica, essa era
divergência central.
Dito isso e a partir da formulação
dos principais propagandistas da tese de uma “revolução
democrática” (contemporânea) alguns questionamentos permanecem
com absoluta falta de clareza. Se no século passado a burguesia
havia deixado de ser uma classe ascendente e progressista,
responsável por importantes transformações nas relações sociais
para se tornar uma classe opressora e incapaz de contribuir com o
desenvolvimento das forças produtivas, então por que falamos em uma
“revolução democrática” promovida pelo governo de coalizão
que conta com ninguém menos que Collor de Melo, José Sarney e
outros marginais da política brasileira? É possível no Brasil se
fazer uma revolução democrática, que neste caso não conta só com
os donos dos meios de produção, mas também os donos dos meios de
comunicação e também de latifundiários? Uma “revolução
democrática” que não tem a coragem de fazer a reforma agrária?
Se estamos falando de uma revolução
verdadeiramente democrática não podemos deixar de fora um dos seus
principais eixos de qualquer república democrática que é a reforma
agrária. Aliás, no Brasil, principalmente nos meios intelectuais da
academia, se tornou modismo à pauta da reforma agrária como sendo o
grande lance “Cult” revolucionário. A reforma agrária – sua
não existência, ainda é pauta nos países semi-coloniais e é a
prova do distanciamento das relações democráticas em uma nação
devendo ser considerada como um sintoma de que não atravessamos uma
revolução democrática (não há nada de ortodoxo nisso!). A
questão deve ser posta dessa forma, pois tergiversá-la neste
aspecto nos leva a dois entendimentos: 1- Uma inocência útil que
pode ser respondida pela total ausência do estudo marxista ou 2- Uma
absoluta inflexão que passa muito longe do reformismo sendo na real
um grande agente, consciente ou não do conservadorismo.
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1- Sigla de Partido Operário Social
Democrata da Rússia.
* Diego Rabelo é estudante da
Universidade Federal da Bahia e diretor de direitos humanos da UNE.