segunda-feira, 9 de junho de 2008

De vento a furacão

De vento a furacão

A lufada de vento chegou da Europa no início de maio, deu novo fôlego à combalida oposição em São Paulo e bagunçou o coreto do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), virtual candidato à prefeitura da capital. Bastou o diário americano The Wall Street Journal divulgar o teor de uma investigação conduzida por promotores franceses e suíços para uma avalanche de denúncias de irregularidades em contratos de estatais paulistas vir à tona. Como a maioria dos contratos diz respeito ao período em que Alckmin esteve à frente do Palácio dos Bandeirantes ou era vice de Mário Covas, a candidatura do tucano, que enfrenta resistências dentro do próprio partido, ameaça não decolar por falta de teto do PSDB municipal, marcada para 22 de junho. As autoridades européias investigam se a Alstom, gigante das áreas de transportes e energia, sediada em Paris, teria desembolsado centenas de milhões de dólares em propinas para garantir contratos públicos na Ásia e na América Latina. Documentos em poder das autoridades da França e da Suíça indicam que a empresa teria repassado 6,8 milhões de dólares a políticos brasileiros para ganhar uma licitação de 45 milhões de dólares do Metrô de São Paulo, na gestão de Covas e Alckmin. Em tese, o governador José Serra, em busca de viabilizar a eleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM) e assim garantir o apoio dos pefelistas em 2010, poderia festejar o episódio como o “fato novo” que faltava para demover Alckmin. Em público, contudo, demonstra comedimento, mesmo porque há contratos que perduram sob a sua gestão e estão sob suspeita. Para Serra, o PT está usando o caso de maneira eleitoreira: “É o ‘kit PT’ atuando”, desdenhou, durante um evento no Jockey Club. Ao seu lado, Alckmin emendou: “Querem confundir a opinião pública. Somos os maiores interessados em esclarecer isso”. A despeito das disputas políticas, a Promotoria paulista decidiu averiguar os contratos da Alstom com seis empresas ligadas ao governo do estado. O Ministério Público Federal investiga ainda se a filial brasileira da multinacional cometeu os crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção. Há um termo de colaboração firmado entre o governo brasileiro e o MP suíço para a troca de informações que ajudem a elucidar o caso. Na esteira das informações vazadas à imprensa, se ainda não ficou comprovado que houve corrupção, há evidências claras de uma relação no mínimo promíscua entre a Alstom e o tucanato. Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), coordenador da campanha eleitoral de Covas em 1994 e chefe da Casa Civil do governo do estado entre 1995 e 1997, é um dos suspeitos de receber propinas. Bilhetes apreendidos pela Justiça suíça na sede da empresa naquele país apresentam as iniciais “RM” e fazem referência a um “ex-secretário do governador”, possivelmente encarregado de intermediar “gratificações ilícitas” para beneficiar pessoas ligadas ao governo e também no Tribunal. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Marinho admitiu ser o “RM” da época do governo Covas. Apesar da revelação, o ex-secretário nega ter tido qualquer ingerência em contratos firmados pelo governo com a Alstom e diz ter seguido os “princípios da moralidade” ao avaliar os contratos da empresa com o estado na função de conselheiro do TCE. Admitiu, no entanto, ter viajado à França com as despesas pagas pela multinacional em 1998. “Fui assistir aos dois jogos finais da Copa da França a convite de um amigo e ex-diretor da Alcatel, empresa que, posteriormente, vim a saber integrar o Grupo Alstom”, afirmou, em nota. É dele a análise favorável de um contrato firmado entre a Eletropaulo e a Alstom, em 2001, no valor de 4,8 milhões de reais. Nada de mais, não fosse um detalhe. A avaliação do conselheiro demorou apenas três meses para ser concluída, uma marca invejável, já que um processo de contratação desse porte demora, em média, cinco anos para tramitar no TCE. De 1989 a 2008, as empresas do Grupo Alstom no Brasil fecharam mais de 150 contratos com estatais paulistas, um montante total de 7,9 bilhões de reais, em valores corrigidos pelo IGP-DI. Apenas seis contratos foram considerados irregulares pelos conselheiros do órgão, mas a soma dos valores não é nada desprezível: 1,5 bilhão de reais, quase 20% do total. Caso fique comprovado o pagamento de propina a conselheiros do Tribunal, todos os processos julgados pela instituição podem ficar sob suspeita e ser alvo de investigação. A desconfiança não é exagerada. Documentos enviados ao Brasil pelas autoridades suíças indicam que a Alstom pagou, por meio de seis empresas offshore, constituídas em paraísos fiscais, cerca de 13,5 milhões de reais em propinas a políticos paulistas entre 1998 e 2001. Os pagamentos seriam feitos para empresas que executavam trabalhos fictícios ou consultoria de fachada. A oposição tentou instaurar uma CPI na Assembléia Legislativa, mas não conseguiu colher o número necessário de assinaturas. A folgada maioria governista (70 deputados, de um total de 94) impediu a manobra, bem como a convocação de executivos da Alstom e de estatais paulistas para depor na CPI da Eletropaulo, na qual o PT tem a presidência, mas não a maioria. Presente na sessão, o deputado petista Rui Falcão exasperou-se com o bloqueio tucano: “A Assembléia está virando um cemitério de CPIs”. Para o líder do governo na Casa, Barros Munhoz, a convocação é descabida. “Isso aqui não é delegacia de polícia nem departamento do Ministério Público nem pizzaria. A maioria das CPIs não dá em nada, só vira pizza, como aconteceu com a dos Cartões Corporativos, em Brasília. Já temos o Tribunal de Contas do Estado debruçado sobre esses contratos.” Na avaliação do líder do PT na Assembléia, Roberto Felício, é um equívoco confiar cegamente na avaliação do TCE. “Há diversos contratos que foram reeditados por mais de dez anos, quando a Lei de Licitações só permite cinco, e que foram considerados legais. Também há fatos muito suspeitos, como a multiplicação de contratos da Alstom com a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) depois que Sidnei Colombo Martini, ex-diretor de uma das empresas do Grupo Alstom, assumiu a direção da antiga estatal”, atacou. Segundo um levantamento do PT, até 2006, o ano da privatização da CTEEP, foram assinados 47 contratos entre as empresas, totalizando 333 milhões de reais. A CTEEP não quis comentar as suspeitas. Diante do bloqueio, o PSOL e o PT, na Câmara Federal, uniram-se para garantir visibilidade ao caso. A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Casa aprovou, por 10 votos a favor e 7 contrários, o pedido de uma audiência pública, em 17 de junho, para ouvir o presidente da Alstom no Brasil e representantes da Promotoria paulista, do Ministério Público Federal (MP) e da Polícia Federal. “Queremos desnudar o que os tucanos querem ocultar em São Paulo, mas também investigar a relação da Alstom com estatais federais, como a Petrobras e a Eletronorte”, comentou o deputado Ivan Valente (PSOL), um dos autores do requerimento. Como poucos dos mais de 150 contratos da Alstom foram vasculhados pelos promotores e pelos parlamentares engajados na investigação até agora, ainda é possível que muitas outras denúncias venham à tona. Será um problema para Alckmin, que luta para garantir a maioria dos votos de delegados do partido até o dia 22. Mesmo diante das turbulências.
por Rodrigo Martins
Carta Capital

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