segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ensaio para entender as manifestações de junho no Brasil

“A democracia não é um pacto pelo silêncio” (Luiz Inacio Lula da Silva)

Não é uma tarefa trivial manifestar uma opinião sobre um fato sociopolítico de extrema relevância e significância como as manifestações que sacudiram o Brasil na segunda e terceira semana de junho de 2013. Primeiro porque se trata de um fato político novo no contexto brasileiro e segundo, também por isso, trata-se de uma situação totalmente dinâmica, que o que foi dito num dia pode estar desatualizado no dia seguinte.
Mesmo assim, é possível apontar duas reflexões a título de interpretação e finalmente algumas posições sobre o tema.

Fatores históricos
Do ponto de vista da interpretação destas manifestações, deve-se observar fatores históricos/estruturais e fatores conjunturais. Do ponto de vista histórico é preciso levar em consideração uma tendência mundial de declínio do engajamento partidário, explicado interna e externamente aos partidos.
Numa perspectiva externa aos partidos, trata-se de uma situação pós-materialista, que comparado com uma época anterior, do início da revolução industrial até o pós-segunda guerra mundial, quando os partidos de massa cumpriam o papel de articular e representar os interesses de classe, identificados ideologicamente como socialista ou como capitalista, ou então, de esquerda ou de direita.
Nos chamados países de democracia avançada onde se seguiu o receituário do estado de bem estar social e com isso se reduziram as desigualdades e se melhorou o nível de escolaridade da maioria da população, eis que surge uma nova geração cujos objetivos políticos não estão mais centrados nas bases materiais (desigualdade e acesso as políticas sociais básicas), mas a valores pós-materiais, ou seja, questões ligadas a qualidade de vida, como por exemplo: meio ambiente, gênero e mesmo reivindicando melhoria na qualidade da educação, não mais satisfeitos apenas com a quantidade de pessoas incluídas. Essa nova geração se define como “apartidária”, com muito acesso a informação através da mídia eletrônica e grande rejeição à todas as instituições que buscam representar setores generalizados da sociedade, como sindicatos, partidos, governos, grandes redes de comunicação social, etc.
Junto a isso se inventou as novas formas de manifestações sociais, pautando temas específicos e imediatos, organizada de forma autônoma, ou seja, usando o método da “auto-gestão” e de manifestações pontuais que reivindicam e depois desaparecem e desde as manifestações na França em 1968 passaram a ser chamados de “novos movimentos sociais”, para se diferenciar daqueles movimentos alinhados ideologicamente com os socialistas, que não dão mais conta da multiplicidade de atores e de temas.
Essa realidade, que já vinha sendo observada nos países do norte (EUA, Europa, etc), mas também em países periféricos como ocorreu na “primavera árabe” e que apenas agora começam a aparecer no Brasil, ainda que repetindo o modelo, porém, é possível observar algumas peculiaridades locais.
No Brasil, essa geração pós-materialista começa a aparecer depois de uma década de governo do PT, que se aproximou do modelo de “estado de bem estar social” e também levanta bandeiras novas, misturadas com antigas, desde saúde e educação, como também a questão ambiental, contra a criminalização dos movimentos, contra a mídia, contra os governantes de plantão, contra os partidos em geral e assim por diante.
Do ponto de vista interno aos partidos, esse declínio se deve a perda de identidade e coerência ideológica, mais evidente no Brasil a partir do sistema presidencialista, multipartidário e de governos de coalizão, que ressalta as incoerências ideológicas através das alianças eleitorais e de governos. Cabe ressaltar ainda que o Brasil e América Latina a política nunca foi partidarizada, sempre se destacou o papel dos líderes populistas e a rejeição aos partidos.
Trazendo essa realidade para o PT, o partido que era identificado ideologicamente e apoiado pelos setores com mais escolaridade e de classes médias, que era um partido de massa e mantinha as características materialistas na disputa política brasileira, diferenciando da situação dos países do norte, depois de ser governo veio perdendo essa base em função das alianças policlassistas, reforma da previdência, financiamento de campanhas eleitorais e compensou essas perdas com a conquista de apoio de setores menos escolarizados e beneficiados pelas políticas sociais e de distribuição de renda. Nesse contexto, o apoio está muito mais baseado nos resultados de governo do que na força do partido.
O Brasil era considerado um laboratório de participação popular, tanto no âmbito de governos locais através do modelo de “orçamento participativo”, como no âmbito da participação popular através dos movimentos sociais e sindicais, com destaque para o MST e via campesina. Esse aspecto também foi se alterando significativamente depois da chegada do PT ao governo federal, pelos limites de construir canais efetivos de participação no modelo de gestão na esfera federal e pelo atendimento parcial das bandeiras dos movimentos sociais que mudaram a forma de reivindicar, saído das ruas para as mesas de negociação com o governo.
As ruas passaram a ser um espaço vazio da política brasileira, enquanto um canal de manifestação e representação dos interesses da sociedade. Diante da fragilidade dos partidos de oposição, a grande mídia passou a ocupar o espaço de oposição política e fazer um trabalho cotidiano e sistemático contra o governo petista e contra todas as instituições políticas. Com o melhoramento das condições sociais e a redução da desigualdade emerge uma geração “pós-materialista” a exemplo dos países do norte algumas décadas atrás. As instituições políticas expõem suas fragilidades e mazelas disputando poder entre executivo, legislativo e judiciário, sempre potencializado pela mídia que tem interesse em desestabilizar a todos eles. É importante resgatar dois tipos de conseqüências deste tipo de conjuntura, seja as tentativas de golpes da mídia na Venezuela ou as manifestações políticas sob o lema “que se vain todos” na Argentina, ou seja, um busca tomar o poder e outro apenas desestabiliza, sem propor nada no lugar.

Fatores conjunturais
Essa reflexão é importante para evitar olhar apenas para o “estopim” das manifestações, estes estão ligados a basicamente três motivos instantâneos: o aumento da passagem de ônibus ao mesmo tempo em todo o país, somado a declaração de Haddad (PT) e Alckmin (PSDB) com posições uníssonas, passando a imagem de que ambos os partidos disputam eleição, mas se juntam para reprimir o povo; no momento que o mundo está de olho no Brasil pelo esporte, tanto da Copa das Confederações como da Copa do Mundo, é uma vitrine espetacular para ganhar repercussão; pode-se somar a isso momento de risco da volta a inflação e perda de força da economia brasileira como reflexo da crise mundial.
Esse momento favorável, mais o apoio manipulado da mídia constituiu-se num movimento espetacular, onde milhões de pessoas vão às ruas se manifestar sobre tudo, cada indivíduo com sua pauta, de forma “ordeira” e como um exemplo de exercício de democracia, para a maioria, pela primeira vez na vida “saímos do feceboock”.
Esses fatos trouxeram confusão e dificuldade de entendimento do que se tratava esses movimentos. De um lado a ingenuidade da mídia em achar que apenas os “pacíficos” se manifestam, ou seja, os rebeldes e violentos são muito mais propensos a se manifestar e não iriam perder a oportunidade de acompanhar a multidão. Para quem faz movimento nos últimos 20 ou 30 anos sabe que sempre foi uma grande preocupação do “comando” das manifestações em como evitar a “baderna”, imagine o que acontece quando não há comando, ou melhor, não precisa mais imaginar, foi possível ao vivo e em cores. Por outro lado os partidos, de ambos os lados tentam fazer leituras dos novos movimentos sociais com as velhas cabeças. A direita ensaiou um movimento pelo impeachment de Dilma, que cresceu rapidamente e parou, porque não tem fundamento. A esquerda se sentiu desafiada, pois alguém ocupou as ruas sem a sua autorização, tentou entrar com bandeiras e teve que recolher em silêncio e enquanto outros acusam o movimento de facista, golpista e outros istas.
O fato é que nem tanto ao céu, nem tanto a terra. Quem hegemonizou as manifestações, na sua maioria foram os jovens de classe média e escolarizados, exatamente o perfil dos “apartidários”, mas bem informados que não estão no mercado de trabalho. O único movimento organizado, de forma diferente dos antigos movimentos, é o do Passe Livre, que tem uma pauta específica, conquistou sua reivindicação e já recolheu sua bandeira. Outros podem continuar, mas sem nenhum comando e acuados pelos “baderneiros” devem se recolher aos poucos. Mas esses movimentos irão voltar, a qualquer hora, a qualquer tempo, vão denunciar, se manifestar contra, sem a preocupação de propor algo no lugar. Alguns vão mobilizar muita gente, outros serão minoritários, mas a partir de agora serão sempre considerados com na agenda política do Brasil.
As conseqüências eleitorais desses movimentos são uma icógnita, podem aumentar o voto nulo, podem se engajar em partidos em rede com a Marina, podem provocar uma derrota a reeleição da Dilma, não porque preferem alguém melhor, mas simplesmente porque são contra quem está no poder, ou ainda podem ajudar a reeleger Dilma como fizeram com Obama nos EUA (considerado a primeira experiência de êxito eleitoral com capacidade de mobilizar os “apartidário”).
Não há outra posição que não saudar “os novos movimentos sociais” no Brasil, sem ingenuidades e generalidades de manifestar apoio ou rejeição incondicional, depende de cada caso. Mostrar que o “pulso ainda pulsa” é sempre positivo, mas achar que serão apenas “pacíficos” ou que venham lutar por uma causa justa é ingenuidade. Estão manifestadas nas ruas todas as posições e por isso é um importante exercício de democracia.
O PT tem que aprender a conviver com isso, precisa aprender a se relacionar com os novos movimentos sociais e principalmente ter a capacidade de ouvir seus recados. Alguns deles, pelo menos no papel o PT já vêm se preocupando, como ocorreu no IV Congresso Nacional, onde aprovou a paridade de gênero, cota de jovens e etnias e o limite de mandatos partidários e eleitorais dos petistas. Tais medidas buscam a renovação partidária, a oxigenação e o revigoramento do partido no futuro, mas na maioria das vezes o que está no papel não condiz com a realidade, essa passagem não é automática, tanto que o PT vem se igualando aos demais partidos no que diz respeito a elitização das direções e no poder dos mandatos sobre os partidos, portanto, não basta a regra, depende de colocá-la como uma prioridade e investir nesta direção.
Do ponto de vista tanto do partido como do governo é importante ressaltar que o PT nem o governo sabem se comunicar com a massa. Os outros ressaltam nossos defeitos e nós não conseguimos mostrar nossas qualidades, só falamos para dentro e para uma minoria de filiados e esse é o principal campo de disputa imediata especialmente para 2014. Para o governo a situação é mais grave, pois, diferente de Lula, a Presidenta Dilma tem muita dificuldade de politizar as boas ações de governo.
Por fim, para nós, militantes socialistas, estão colocados outros grandes desafios. Primeiro é importante reafirmar nossa posição socialista, ambientalista e humanista, pois não basta resolver as questões materiais é preciso também se preocupar com a qualidade de vida. Em segundo lugar precisamos nos envolver, participar, ouvir, entender, disputar espaço e inserir bandeiras como a reforma política, questões ambientais, contra homofobismo, 100% dos royalties do pré-sal para a educação e outras pautas da nossa agenda de lutas e quando necessário combater valores autoritários, facistas e golpistas que também buscam disputar espaço.
Para levantar essas bandeiras não precisa necessariamente levantar a bandeira do PT, mas saber respeitar os espaços autônomos de luta e levar esse aprendizado também para outras esferas de lutas, junto com os movimentos sociais históricos, que não estão desatualizados, pelo contrário, tem muita luta para lutar, por salários mais justos dos professores, pela reforma agrária que ainda precisa ser lembrada, pelas 40h semanais de trabalho e contra a retirada de direitos dos trabalhadores, contra a criminalização dos movimentos sociais e outras lutas.
Os novos movimentos sociais surgem com a força do novo, mas não representam todas as lutas, nem substituem os movimentos sociais históricos, por isso, bem vindos a mais uma forma de luta.

José Roberto Paludo
Dirigente do PT e da Militância Socialista
Doutorando de Sociologia Política da UFSC