segunda-feira, 28 de abril de 2008

SOCIALISMO NO SÉCULO XXI (por José Roberto Paludo)


SOCIALISMO NO SÉCULO XXI

Campo das idéias

O “Socialismo no Século XXI” é visto dentro do PT com uma carga de pré-conceito, como no passado, na resistência a ditadura, nas tendências de esquerda havia modelos prontos e fechados, baseados em chavões recorrentes, ao invés de debates abertos, diálogo político, busca de aprofundar a discussão estratégica. Por isso, antes de iniciar, é preciso pedir para se despir dos pré-conceitos e fazermos um diálogo político.

Do ponto de vista interno no PT podemos traçar dois blocos, de um lado algumas tendências, pela esquerda, que reivindicam o socialismo marxista-leninista englobando também reflexões revisionistas, neomarxistas, ocidentais, teoria crítica ou da Escola de Frankfurt (recebe vários apelidos com pequenas variações). Do outro lado, há um bloco mais heterogêneo, marcadamente pragmático, com pouco aprofundamento teórico, seguidor do modelo social-democrata europeu, do estado de bem estar social “alá” América Latina. O fato é de que o debate político no PT é cada vez mais pobre, menos pessoas pensam política, apenas fazem política, como diria o próprio Marx, fazem de forma alienada, sem consciência do que estão fazendo. A conseqüência disso é o que estamos vendo nas últimas eleições, uma disputa do poder pelo poder, sem política, sem ideologia, sem critérios, sem direção política partidária (vide texto de Frei Betto: PT e PSDB de mãos dadas).

Diante disso o termo, Socialismo no Século XXI é visto com desconfiança. Primeiro por conta da propaganda chavista, simpática apenas pelos trotskistas ortodoxos que restaram no PT, dentro de O Trabalho e de sua cisão Esquerda Marxista, das demais forças à uma desconfiança do método de Chaves e por conseqüência de seus principais aliados, Rafael Correa e Evo Morales. Segundo motivo é uma desconfiança em relação aos teóricos chamados pós-modernos, dentre os mais conhecidos o português Boaventura de Souza Santos. Usar qualquer expressão ou categoria destes parece uma blasfêmia, já é acusado de amarxista e outros chavões, como os stalinistas tratam os trotskistas e revisionistas. É bom ressaltar também que essa desconfiança está na esquerda do PT, pois na direita, como praticamente não há reflexão política, não estão nem preocupados com esse debate, o que importa é como manter-se no poder. Diante dessa situação, o termo preferido é socialismo petista, como foi no Terceiro Congresso. Porém, no momento de definir o socialismo petista ocorre um debate aberto, indefinido e as vezes até contraditório (lembrando que o texto sobre socialismo foi votado, portanto, o que vale é o texto da direita do PT).

Tentando transpor a barreira do pré-conceito, parece necessário refletir sobre esse termo, primeiro porque não é possível pensar em um modelo socialista de um partido, pois para construir um projeto socialista é inegável a necessidade de construção coletiva, ainda mais num contexto globalizado. Não é possível negar-se ao debate de um projeto socialista global e é nesse contexto que entendemos o “rótulo” Socialismo no Século XXI.

Nesse contexto, busquemos uma definição de Socialismo no Século XXI, como uma tentativa de envolver nesse debate as reflexões atuais sobre o tema. Desde os teóricos marxistas críticos, avançando para os pós-modernos, que embora não se assumam marxistas, têm uma visão anti-sistêmica, ou seja, contrária ao sistema mundo capitalista, hora hegemônico. Esses teóricos consideram necessário atualizar categorias de análises marxistas para entender o nosso tempo. Marx escreveu e interpretou o seu tempo, não nos cabe ser ortodoxos e continuar repetindo suas “leis” no mundo atual, como se fosse uma religião. A tarefa é reinterpretar e avançar a partir de novas categorias de análises da sociedade, para dar conta de transformá-la.

Uma das diferenças é o conceito de revolução, que em Gramschi já tratava como disputa de hegemonia, da sociedade para o Estado, agora se pensa em processo de longa duração, períodos históricos longos que apontam tendências e possibilidades.

Outra diferença é sobre os atores sociais que farão a revolução ou a mudança de época. Nesse ponto os pós-marxistas trabalham com várias categorias além do proletariado, como, por exemplo, a juventude (desde maio de 1968 na França), as mulheres, os negros, os índios, os gays e tantas outras categorias chamadas de minorias, ou de setores sociais historicamente excluídos, ou marginalizados, ou seja, o respeito às diferenças.

Terceira diferença é sobre o que transformar, que de acordo com Marx é preciso transformar a infra-estrutura, a economia, o modo de produção capitalista de produção da vida. Os pós-marxistas ampliam esse debate para uma perspectiva mais complexa, traduzida principalmente no discurso ecosocialista, ou seja, é preciso compreender a realidade nas suas mais distintas dimensões e buscar a transformação integral, das relações econômicas, políticas, sociais, culturais, ambientais, etc, de forma simultânea, ainda que contraditória.

A visão da dialética talvez seja a que menos diferenças aponta entre as reflexões originais de Marx e os pós-marxistas.

Quanto ao método de organização talvez ocorra a principal diferença, enquanto no modelo tradicional funciona a lógica centralizada, hierárquica, de cima para baixo, na proposta pós-moderna deve ser em rede, articulação dos diferentes, de forma horizontal. Nesse contexto faz-se necessário problematizar, por exemplo, a concepção de partido dirigente, o que se entende por isso? O PT deve comandar as lutas sociais ou deve participar delas, respeitar a autonomia desses movimentos e avançar dialeticamente? Outra problematização é em relação a democracia interna, ao mesmo tempo que o PT se diz democrático, porque adotou o modelo de democracia representativa liberal, ou seja, voto universal direto, que elege os delegados e dirigentes para representar a base, diz-se que o PT é democrático, que a base decide e que há uma democracia direta. Esse modelo é um fetiche, pois não há democracia direta, há uma legitimidade da base, que vota a cada dois anos e elege uma direção para representar-lhe, enquanto que as decisões são hierarquizadas. Internamente nas tendências a hierarquia e a centralização são mais fortes ainda. O discurso da relação com os movimentos sociais também é de democracia e autonomia, porém, na prática o método tende ao hegemonismo, a hierarquização do partido sobre os movimentos. Considerando esse fator, mais o contexto de ser governo federal talvez possamos entender o porquê do afastamento cada vez maior do PT com relação aos movimentos.

Por essas e outras razões acreditamos ser importante debater o Socialismo no Século XXI, nos ajuda a fazer tais debates, ao invés de rechaçar a priori.

Uma vez traçada algumas diferenças no campo das idéias, contudo, expostas ao debate e aprofundamento, seguem três perguntas: Quais as diferentes construções socialistas na atualidade? Qual a avaliação da experiência brasileira? Quais os apontamentos práticos desse debate para a construção de uma nova tendência?

Diferentes construções do socialismo na atualidade.

Vamos caracterizar de forma rápida algumas diferentes experiências mundiais, sem a condição de ser preciso, pois esse ponto deve ser aprofundado.

Começamos pela China, que montou uma engenharia combinando planificação estatal, sob controle do partido e aberto a economia de mercado, aproveitando o potencial humano, que é o que têm de mais importante e tornando-se a maior potência econômica do século.

Na Europa os partidos socialistas e social-democratas estão presentes em diferentes momentos e diferentes países. Tanto na Alemanha, quanto na França e agora na Espanha, os socialistas europeus combinaram o modelo de economia de mercado com presença estatal e fortes investimentos sociais, construindo um modelo de Bem Estar Social, garantido os direitos humanos de segunda geração, conhecido como direitos sociais, ou seja, educação, saúde e seguridade social, de forma pública, de qualidade e universal. Nesse contexto é importante ressaltar, primeiro a riqueza desses países, dentro de uma lógica sistêmica mundial, na qual esses países estão no centro do sistema ou no mínimo na semi-periferia, consequentemente beneficiados pelas relações desiguais do mercado internacional às custas da periferia, em outras palavras, a pobreza da periferia possibilita o Bem Estar do centro.

O contexto cubano, conhecemos o período de meio século comandado por Fidel Castro, agora resta acompanhar as conseqüências político-sociais e culturais por que passará a ilha caribenha. É da experiência cubana que Hugo Chaves desenhou sua estratégia de Revolução Bolivariana para a América Latina, a princípio resolvendo demandas sociais reprimidas historicamente como o analfabetismo a condições de saúde básica. Chaves combina o fato de ter uma economia forte graças ao petróleo, com uma política social básica e um aparato ideológico capaz de concorrer com a mídia burguesa: fazer contra a burguesia o que eles fazem com a esquerda no restante da América Latina. A relação tática de Evo Morales e Rafael Correa com Chaves tem várias razões: ideológica, todos têm visão socialista; razões econômicas, são ajudados pela Venezuela; razões políticas, para se contrapor aos bloqueios blandos e pressões norte-americanas, como foi o caso da Colômbia cassando as FARC no Equador, quando não os fazem no próprio país. As características, no entanto, são distintas, Correa é mais intelectual, do mundo acadêmico e Morales é líder de massa, indígena autentico, enquanto Chaves é militar.

Do conjunto da obra podemos concluir, que há uma diferenciação importante e lógica geoistoricamente em cada uma das experiências, mas falta diálogo. Existem pequenos fóruns, como o Foro de São Paulo que não dão conta de interferir na construção política concreta e ficam mais no âmbito dos partidos e da reflexão política conjuntural.

O Fórum Social Mundial por outro lado é algo novo e inusitado, uma experiência diferente de todas as outras construídas historicamente, desde o clamor de Marx em 1848 no manifesto comunista “proletários do mundo todo, uni-vos”. No FSM não apenas a categoria dos proletários, mas dos jovens, mulheres, negros, índios, gays e todas as diversidades possíveis. Não há um comando centralizado, mas uma coordenação geral, porém, aberto a iniciativas de toda a natureza, institucional e principalmente não institucional, ou seja, da sociedade civil. O FSM é uma materialização das idéias pós-modernas, da organização em rede, articulando a diversidade, sem a meta de aprovar ou votar qualquer resolução única.

A partir dessa visão, uma síntese possível é a utopia de uma globalização, onde os estados nacionais vão perdendo autonomia jurídica e os governos perdendo poder político na sociedade, mas é na perspectiva econômica que estão os maiores desafios e dificuldades de visualizar saídas mais humanas, onde nem mesmo o modelo chinês é considerado como perspectiva. Uma constatação tática podemos observar na concepção das relações internacionais brasileiras, a partir do governo Lula, que é a visão de relações multipolar, diferente da visão imperialista norte-americana que havia na era neoliberal.

Experiência brasileira.

O governo Lula é a primeira experiência federal de esquerda no Brasil. O Brasil tem grande influência mundial e é uma potência no continente latino-americano.

A primeira constatação analítica é a distinção entre o lulismo e o petismo. O lulismo é um fenômeno político típico da cultura latino-americana, de líderes populistas, que têm uma relação direta com as massas, não intermediada por partidos. O petismo é a experiência histórica do PT, que conhecemos, que nasce de uma concepção gramischiana de disputa de hegemonia, como partido de massa, inserido nos movimentos sociais, que funcionava numa lógica de democracia interna, de núcleos de base com poder interno, seminários, plenárias e congressos deliberativos, debatidos na base e com delegações específicas, ou seja, numa lógica de baixo para cima. Esse mesmo partido que foi se transformando para chegar ao poder, mudando a lógica da democracia interna, por conseqüência possibilitando moderar o programa e inverter a lógica estratégia-tática, portanto, o que era tático passou a ser estratégica, ou seja, chegar ao governo. Agora que aqui estamos, nada mais resta de que lutar para permanecer nele e outra vez o exemplo de Belo Horizonte não é o primeiro, mas o mais importante, do ponto de vista do fim da ideologia e da disputa política no PT, onde o que importa é ser governo e nada mais.

O governo Lula está sendo uma experiência muito semelhante ao estado de Bem Estar Social social-democrata europeu, considerando os limites sistêmicos, por sermos um país distante do centro do sistema mundo, buscando sair da periferia para a semi-periferia, portanto, pouco beneficiado pelas relações comerciais desiguais entre nações, embora podemos observar como isso ocorre, por exemplo, no acordo do gás boliviano, da Itaipu com o Paraguai, na presença da Petrobrás na Argentina e Uruguai, etc.

O governo Lula não mexeu no funcionamento da economia, apenas cuidou dos pressupostos clássicos de controle da inflação através da taxa de juros e superávit primário, o restante foi conseqüência. A diferença está no modelo de participação do estado na economia de concepção keynesiana, freando as privatizações, tornando as estatais competitivas e investindo em infra-estrutura, cujo modelo é o PAC, porém, não sem limites financeiros, piorados ainda mais pelo fim da CPMF.

No social são três tipos de ações combinadas: o aumento do salário mínimo, o bolsa família, ou se preferir o programa fome zero que é mais amplo, porém, desvirtuado do modelo original; e terceiro as políticas setoriais focalizadas, com a juventude, negros, mulheres, etc. Esse conjunto de políticas resultaram numa importante redução da desigualdade social.

Há uma contradição no binômio educação e saúde, porque enquanto no primeiro existe uma estratégia, um programa e investimentos, no segundo está no “piloto automático” e o governo não mostrou ao que veio.

Enfim, na relação político o governo Lula faz pouca diferença, pois sustenta a lógica fisiologista no Congresso Nacional, conhecida como presidencialismo de minoria, que compensa esse déficit através da negociata de partidos que dão governabilidade. A relação com os movimentos sociais está sendo utilitarista, de financiamento público, gerador de dependência e perda de autonomia dos movimentos em relação ao estado, muito perigosas para o futuro. O governo não promove a democracia direta, apenas timidamente através de conferências setoriais em ministérios com pouco poder de investimentos.

Mesmo assim, do ponto de vista pragmático, é um governo que pode ser comparado com todos os anteriores, com muita tranqüilidade e inúmeras vantagens.

Ao PT resta os ônus do governo, responder os problemas de corrupção que são denunciados e ocorre um distanciamento cada vez maior e um fortalecimento do lulismo em relação ao petismo. O primeiro grande teste dessa nova fase serão as eleições de 2010, quando pela primeira vez o PT irá disputar a Presidência da República com outro candidato que não o Lula. A tendência que se apresenta é da busca de se manter no poder, custe o que custar.

Perspectiva de uma tendência de Esquerda Socialista.

Numa conjuntura dessas, qual a perspectiva de uma tendência interna do PT se dizer socialista? E diante da atual conjuntura, quais as perspectivas estratégicas para os socialistas, dentro do PT?

Primeiro precisamos nos abrir para debater outras idéias para além dos “clássicos” marxistas, reflexões mais contemporâneas, que buscam explicar a realidade a partir de outras categorias de análise, que permitem um melhor entendimento do mundo e exercitar a síntese necessária para essa compreensão.

Segundo devemos adotar um método organizativo que seja diferente das construções tradicionais. Não podemos pensar que estamos inventando a roda, devemos observar outras experiências e aprender com elas. Propomos adotar uma metodologia horizontal, em rede, que combina a diversidade com a direção política, baseada no diálogo e entendimentos progressivos, sem sofrer com as contradições, mas sabendo identificá-las e projetar sua superação.

Terceiro devemos orientar uma prática política que combina a disputa institucional com as lutas sociais, através de fóruns abertos e construção de redes de articulação social e não de apoio político (visão hierárquica). Nos espaços institucionais pautar questões estratégicas como o debate ambiental e de sustentabilidade, a garantia de direitos sociais, da democracia participativa, etc.

No espaço partidário priorizar a formação política para buscar superar o pragmatismo eleitoreiro e investir numa futura geração petista, politizada, com visão crítica e preparada para os desafios políticos do nosso tempo.

Além dos movimentos sociais já citados, a partir do viés setorial, precisamos também ampliar nossas relações com outros setores temáticos, que têm papel estratégico, como por exemplo, o debate sobre software livre, ambiental, esporte, lazer, etc. Isso não significa abandonar os movimentos mais tradicionais como o sindical, os movimentos da via campesina, pastorais de igrejas progressistas, movimento estudantil, de mulheres, negros, índios, etc. Pelo contrário, precisamos combinar a articulação com esse conjunto de movimentos sociais e anti-sistêmicos e contribuir para estabelecer redes e lutas concretas, através dos espaços institucionais que atuamos.

Na relação interna do PT propomos articular, tantos nossas ações internas e institucionais, quanto estabelecer relação com outros grupos regionais com características semelhantes e iniciar esse movimento, ainda periférico, na perspectiva de superar o método tradicional de organização política interna do PT.

Por fim, não cabe ser positivo, nem negativo em relação ao futuro, cabe-nos como sujeitos políticos capazes de entender nossa realidade e visualizar perspectivas para guiar nossas ações com base em valores socialistas.

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