sexta-feira, 3 de abril de 2009

A crise econômica e a crise ecológica de um ponto de vista ecossocialista


Gilney Viana

1. Abordagem e alternativa ecossocialistas

A atual crise econômica coincide com uma crise ecológica. A crise econômica é sistêmica. A crise ecológica é global. Existe uma relação de causalidade entre elas donde a necessária abordagem teórica abrangente. A crise econômica é uma crise do sistema capitalista. A crise ecológica é uma crise da relação entre os humanos e a natureza ou mais recentemente entre o modo de vida da sociedade capitalista moderna e os ecossistemas, donde a pertinência da abordagem do ponto de vista de classe. A crise econômica questiona o modo de produção capitalista, baseado no regime de propriedade privada dos bens de produção e na desigualdade do usufruto do produto social: atinge a todos desigualmente e de forma mais cruel aos trabalhadores e povos inteiros incluídos de forma marginal ao sistema. A crise ecológica atual, derivada deste sistema (e secundariamente da contribuição dada pelas experiências do “socialismo real”) também atinge a todos desigualmente e de forma mais gravosa aos mais pobres sujeitos à injustiça ambiental, embora em escala escatológica possa atingir a todos independente de classe, nacionalidade ou situação geográfica – o que lhe dá também uma dimensão universal. A alternativa radical às crises ecológica e econômica, só pode ser um novo modo de produção e consumo voltado para o atendimento das necessidades materiais, culturais, espirituais, de todos e todas, guardadas as diferentes identidades coletivas e individuais; definido e gerido democraticamente por homens e mulheres livres; respeitando-se os limites e tempos dos ciclos de vida dos ecossistemas naturais. Essa é a abordagem e a alternativa ecossocialista.

2. A crise econômica

A crise econômica é melhor percebida por todos e todas porque atinge imediatamente a capacidade de investir, de consumir, ou simplesmente de prover a subsistência das famílias. Seus indicadores são claros para os trabalhadores e trabalhadoras e para o povo em geral: aumento do desemprego; redução da renda familiar; apelo ao seguro desemprego ou ao seguro social; e em alguns segmentos a perda ou deterioração do valor de suas economias, de seus bens, ou a incapacidade de pagar as prestações ou hipotecas dos mesmos. Para os capitalistas geram perdas com impossibilidade de honrar compromissos; falências das empresas. A grande novidade dessa crise é a virtual falência do sistema financeiro dos Estados e da Europa, que só não entrou em colapso graças à intervenção do Estado, com trilionários recursos públicos.

Os indicadores da crise econômica: 1)a queda do PIB mundial em 2009 pode ser de -2,75% segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico); ou de -0,5% a -1,0% segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional). Nos países mais desenvolvidos (participantes da OCDE) esta estima queda do PIB em 2009 de 4% a 7%. 2) Indicadores de desemprego: nos países do G-7 36 milhões ao final de 2010 (OCDE); OIT (Organização Internacional do Trabalho): desemprego em todo o mundo: mais 7,19% em 2009 em relação a 2008; podendo chegar a 230 milhões de desempregados em 2009!!!

3. A crise ecológica

A crise ecológica atual tem forte contribuição das atividades humanas. Há indicadores ecológicos que indicam contribuição humana para o aquecimento global da Terra nos últimos 300 anos, vale dizer, no período de prevalência do capitalismo (com a contribuição menor do “socialismo real”); e indicadores ecológicos que mostram a degradação dos ecossistemas naturais de forma mais acelerado nos últimos 50 anos, quando o capitalismo entrou em sua fase de globalização e sob a hegemonia neoliberal.

Uma análise da crise ecológica, com recorte temporário mais longo, pode ser vista através dos Relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, ONU), de 2007. No primeiro relatório os cientistas falam com mais de 90% de certeza que as atividades humanas são responsáveis pelo incremento da temperatura média do planeta em 0,4ºC devido ao salto da concentração de CO2 na atmosfera de 280 ppmpv (partes por milhão por volume) em 1750 para 368 ppmpv em 2007. Para barrar a elevação da temperatura média da terra em mais 2ºC até 2050 seriam necessários investimentos da ordem de 3% do PIB mundial por ano até 2030.

A“Avaliação Ecossistêmica do Milênio” (outro estudo da ONU, de 2005) indica que mais de 60% dos serviços ambientais dos ecossistemas – água doce, pesca, regulação do solo e do clima – registraram alto grau de degradação nos últimos 50 anos, gerando bem estar para parte da humanidade e perdas em grande medida irreversíveis da biodiversidade (100 a 1000 vezes mais rápido que antes da existência da humanidade) e da capacidade da natureza prover serviços fundamentais como a purificação do ar e da água que já atingem 2 bilhões de pessoas; certamente os mais pobres.

Sabidamente estamos vivendo uma sociedade urbana, com altos índices de poluição do ar nas grandes cidades; dificuldade para destino adequado para os resíduos sólidos; esgotamento sanitário insuficiente; transporte e moradias inadequados para milhões de pessoas, sujeitas às intempéries com graves repercussões à sua saúde.

4. A relação entre crise econômica e crise ecológica

A crise ecológica está relacionada ao modo de vida determinado pelo capitalismo moderno, tanto em seus ciclos de crescimento como em seus ciclos de crise, como mostram os relatórios insuspeitos da ONU. Para se enfrentar adequadamente a crise ecológica será necessário uma reversão e reorientação da base econômica hoje existente, tanto industrial quanto agrícola sob novas bases tecnológicas bem como outro padrão de consumo, em tal grandeza que não será suportável para o sistema capitalista

A atual crise econômica ,contudo, pode se resolver dentro do sistema capitalista, à custa da exclusão da maioria da humanidade e o não enfrentamento da crise ecológica, ou até mesmo com medidas que a agravem. Parece fundada a esperança de que a cidadania ambiental duramente conquistada exigirá dos governantes medidas anti crise ambiental no bojo das medidas anti crise econômica.

5. A saída da crise tem que ser negociada e tem que incluir a dimensão ambiental

A crise de 2008 se dá em contexto histórico diferente da crise de 1929. Em 1929 os EUA eram potência hegemônica ascendente, agora está em descenso. A restauração capitalista incorporou a antiga União Soviética (e todo o “bloco soviético”) em condição econômica subalterna sem renúncia à condição de superpotência militar; a Comunidade Européia se tornou um entidade forte econômica e politicamente; países capitalistas emergentes, especialmente os BRICs tornaram atores importantes na economia e na política, destacando-se entre eles a China. A política unilateralista dos EUA nos últimos 10 anos reflete sua resistência a reconhecer outros centros de poder no plano internacional, o que tende a arrefecer nesta crise. Por outro lado não há conflito político e ideológico que justifique uma guerra de grandes proporções – afora as limitações impostas pelas armas nucleares - e as guerras imperialistas sob o manto ideológico da “guerra ao terrorismo” são localizadas.

Os Estados Unidos não estão fortes o suficiente para impor as suas decisões e não estão tão fracos para aceitarem imposições da Europa ou dos BRICs (ou da China). Não há alternativas senão negociar. É o que está se fazendo no chamado G-20 (e não mais no antigo G-7), em Londres, e tende a se estender para outros foros internacionais.

De igual forma a potência ainda hegemônica, os Estados Unidos, não poderá se omitir (como já o fizeram antes) nem tão pouco recusar o enfrentamento da crise ecológica, como de fato não o fizeram agora, ainda que marginalmente nas negociações do G-20 e em seus anunciados planos nacionais anti crise (investimentos em energias alternativas, energias limpas, com redução das emissões de CO2, etc.).

6. Considerações Gerais

1. A crise econômica atual, provocada pelo domínio sem contraste nem controle do capital financeiro e seu descolamento da economia real, coincide com uma crise ecológica sem precedentes na história da humanidade (já ocorreram crises ecológica mais graves na Terra mesmo antes da espécie humana) com forte contribuição das atividades humanas. Ou seja, a crise ecológica atual é decorrência do modo de vida capitalista.

2. A percepção da crise econômica é mais imediata porque ameaça o emprego, a renda familiar, as expectativas do bem estar das pessoas; afora o domínio do assunto sobre a mídia. A percepção da crise ecológica é crescente, em todo o mundo (e em alguns lugares seus efeitos atingem diretamente familias, comunidades, populações inteiras), particularmente a partir dos relatórios do IPCC sobre mudanças climáticas de 2007. Essas percepções geram possibilidades de enfrentamento conjunto das crises econômicas e ecológicas, de um ponto de vista de classe dos trabalhadores e da maioria da população

3. Na conjuntura atual é inevitável o acirramento da luta de classes, dada a tendência dos capitalistas de fazerem recair sobre os ombros da classe trabalhadora o ônus da recuperação (desemprego, redução salarial, acesso ao fundo publico, etc.) assim como a busca do lucro fácil com a conversão dos ativos ambientais em matérias primas ou mercadorias. Sinais da resistência dos trabalhadores já foram dados em greves e manifestações pelos mais variados países. Sinais da resistência ambientalista se fizerem presentes, em separado ou em conjunto com as manifestações dos trabalhadores, agora em Londres.

4. Os governos tão atenciosos (e até graciosos) aos interesses dos banqueiros e grandes corporações não podem se esquivar de atender algumas demandas sociais e ambientais sob pena de se deslegitimarem e acirrarem a luta social e política. É o que podemos ver no comunicado do G-20, em Londres; e também nas medidas anti cíclicas anunciadas pelos governos norte-americano e europeus. A visão de futuro orienta as bandeiras de luta do presente. Elas são politicamente válidas.

5. Mas não haverá alternativa à crise econômica dentro do sistema capitalista que seja capaz de resolver a crise ecológica. Apenas uma alternativa socialista de um novo tipo, ao mesmo tempo democrática e sustentável, será capaz de superar a crise ecológica e o sistema capitalista e seu modo de vida socialmente injusto, consumista, perdulário e degradante ao meio ambiente.

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